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ENSAIO 81: DISCORDIANS

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    LFMontag
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Atualizado: há 12 horas


Se você está aqui pela primeira vez este ensaio faz parte de um livro sendo escrito em tempo real seguindo a narrativa do fluxo de consciência, se te interessar acompanhar o processo comece pelo primeiro.



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02/07/2025


DISCORDIANS


Posso até discordar daquilo que você diz mas defenderei até a morte o direito de continuar discordando.


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Toda vez que você se encontrar do lado da maioria, é hora de parar e refletir.


- Mark Twain


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New York: the city that I love and hate equally.


- Jimmy Breslin.


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This is mighty crazy, to keep on rubbing at the same old thing, and that's exactly what tears I ain't drive neither.


- Lightin' Hopkins


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Imagine a man walking down a street underneath the street lamps.


Right under a lamp, is shadow is the densest but also the tiniest.


Then, when he starts to move, his shadow grows in front of him.


The shadow becomes bigger and bigger while it thins out, and the shadow behind him from the next lamp post emerges and becomes shorter and shorter until it reaches its ultimate density, as the man stands directly underneath the light.


Let's say that the man standing underneath the first lamp post is me when I've just committed a murder.


I feel strong and content.


I start to walk, and the shadow in front of me grows bigger, like my pleasure. But at the same time, pain is on its way, represented by the shadow behind me from the next lamp post.


And at the midpoint between the lamp posts, the pain is so great it outweighs my pleasure,and with every step forward, pleasure dissolves and pain intensifies behind me. Finally, the pain is so unbearably intense that I have to act.


So when I reach the point with the next lamp in zenith, I will kill again.


- Jack, The House That Jack Built - Shadow Under the Street Lamps


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Uma amiga minha uma vez me disse um desses elogios mais parecidos como uma ofensa, e não saberia dizer qual das intenções, se elogiar ou ofender ou ambos, nem qual das partes foi consciente, mas ela não pensou duas vezes:


- Você tem um jeito muito escroto de ser gentil.


Foi nesse dia que entendi o conceito de Yin-Yang.



Yin é o lado esquerdo da esfera, na cor preta e representa: mistério, dúvida, escuridão, passivo, molhado, frio, noite, matéria, água e feminino.


Yang, do lado direito da esfera, na cor branca, representa: certeza, razão, luz, ativo, seco, quente, dia, energia, fogo e masculino.


Yin-Yang portanto é equilíbrio e o seu conceito faz parte de algumas correntes de pensamento como o confucionismo, ou religiões como o Taoismo e Budismo, remetendo para uma perspectiva de contínua mudança e harmonia.


O Yin e o Yang também são descritos como a lua e sol, o masculino e feminino, o espírito e matéria, e as duas esferas iguais no símbolo simbolizam a ideia de equilíbrio entre o positivo e o negativo não como forças que se opõem, mas um conceito de dualidade em que um não existe sem o outro.


Cada uma das partes manifesta dentro de si o seu oposto, pois o mundo é regido por forças opostas que se complementam em um movimento constante.


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Eris leva mensagens como Mercúrio, mas nem todos querem ler; é guerreira como Ulisses, mas nem todos querem guerrear do seu lado; Eris é a deusa grega do conflito e da desordem.


Na mitologia grega ela representa o caos da existência, quem perturba a ordem e provoca crises, rivalidades e rupturas; seu nome significa literalmente discórdia em grego e a sua presença está quase sempre ligada a episódios de tensão, competição ou guerra.


Filha da deusa Nix, a Noite, Eris é muitas vezes retratada como uma figura sombria e marginal, caminhando às bordas do Olimpo e da sociedade divina, e tal como Exu no candomblé original não é parte do panteão central dos deuses como Zeus ou Atena mas a sua influência é profunda justamente porque age nos bastidores, gerando o tipo de caos o qual desestabiliza estruturas aparentemente sólidas como famílias, amizades, organizações e sociedades.


O episódio mais famoso causado por suas ações são os momentos que antecedem a Guerra de Troia, quando os deuses estão celebrando o casamento de Peleu e Tétis, Eris é a única não convidada e, ofendida, joga uma maçã dourada no meio da festa, com a inscrição: para a mais bela.


Isso desencadeia uma disputa entre Hera, Atena e Afrodite, a qual só é resolvida quando o príncipe troiano Páris é escolhido para decidir quem merece a maçã; ele escolhe Afrodite, que lhe promete o amor de Helena, a mulher mais bela do mundo e o resto é conhecido.


Helena foge com Páris, Menelau a quer de volta, e a Guerra de Troia começa.



Mitologia Grega é assim, é sempre o filho de alguém tentando matar alguém para comer alguém e quem não está comendo ninguém está tentando matar alguém para comer outro alguém e se sobra um tempinho, fofocam.


E de fofoca os gregos entendiam bastante, de fato metade da Mitologia Grega nem existiria se os gregos soubessem ficar de bico calado, mas essa história mostra a essência do papel de Eris pois ela não causa o conflito diretamente, apenas planta a semente por onde brotam as vaidades, os desejos e os desequilíbrios já existentes, pois sua discórdia não é apenas destrutiva, é reveladora.


Eris não precisa quebrar nada, basta arranhar a superfície de algo com aparência sólida, que se romperá sozinho, de dentro para fora.


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Na corrente filosófica do Discordianismo, Eris é interpretada como um símbolo do caos criativo, uma força capaz de quebrar padrões, desafiar estruturas engessadas e fazer emergir o antes negado e reprimido, símbolo de uma religião satírica e filosófica que valoriza o caos, o humor e a crítica à ordem estabelecida.


Surgiu a partir da década de 1950 e criada por Gregory Hill e Kerry Thornley, os quais viam a ordem e o caos como ilusões criadas pelos seres humanos para tentar dar sentido a um universo essencialmente aleatório, uma realidade moldada pelas nossas expectativas e sistemas de crença, por isso promove a ideia de que toda tentativa de impor lógica rígida ou hierarquia total acaba sendo absurda ou contraproducente, então o humor e o absurdo são usados como ferramentas para romper com dogmas e desafiar verdades absolutas.


Não há hierarquia no Discordianismo, e um exemplo famoso é: Todos são papas.


Absolutamente qualquer um.

Se você deseja ser um Papa, simplesmente declare isso.


O livro central do Discordianismo é o Principia Discordia, um misto de piadas, paradoxos e provocações filosóficas, onde encontramos ideias como a Lei dos Cinco (segundo a qual tudo está relacionado ao número cinco), o calendário discordiano (com meses como Chaos, Discord e Confusion) e figuras de culto como Malaclypse e o Santo Gorro do Papa.


A obra é ao mesmo tempo uma paródia de textos sagrados e uma reflexão sobre a natureza da crença, da linguagem e da autoridade e também influenciou movimentos de contracultura como o hacktivismo, o coletivo Anonymous e a cultura de memes da internet.


O livro investe principalmente em mostrar a tendência humana de ignorar o caos essencial da existência em nome de uma falsa sensação de controle, o que nos torna vulneráveis ao dogmatismo, por estes e tantos outros motivos a relação do Discordianismo com correntes filosóficas como o Niilismo ou o Pós-Modernismo é natural.


Como os niilistas, os discordianos questionam a existência de um sentido objetivo ou propósito maior, mas ao invés de cair no desespero, escolhem rir disso.


Com o pós-modernismo compartilham o ceticismo quanto às metanarrativas, objetividade e autoridade, ambos valorizam o jogo de linguagem, o paradoxo e a crítica aos sistemas que se colocam como detentores da verdade absoluta.


Faz tudo muito sentido, discórdia não é apenas ruído ou conflito mas um convite à transformação, ligada ao lado imprevisível da vida, uma parte da realidade não controlada por regras fixas, e nos força a repensar constantemente sobre o que é de fato certo, belo ou verdadeiro.


O principal símbolo desta filosofia é o Sacred Chao (Caos Sagrado), uma versão modificada do símbolo Yin-Yang e apresenta um pentágono de um lado e a Maçã Dourada da Discórdia de Eris do outro, representando paralelamente ordem e caos e nenhum em posição superior ao outro.


Se assim como Eris, entendermos o diabo não como um ser maligno absoluto mas um arquétipo do questionamento e da provocação, da desordem e da subversão, então ele também compartilha traços importantes com os valores do Discordianismo, pois o chifrudo em muitas tradições desafia a autoridade, instiga a dúvida, faz perguntas incômodas e rompe com a ordem estabelecida.


Em Gênesis, por exemplo, é a serpente quem oferece conhecimento, desafiando a proibição divina; e o rebelde Lúcifer é visto como um portador de luz e consciência, a qual liberta a humanidade da ignorância.


E na literatura clássica, como em Paraíso Perdido de Milton, Satanás é um rebelde trágico que se recusa a se submeter cegamente a uma autoridade suprema.


Da mesma forma, o Discordianismo não busca ativamente promover o caos por destruição gratuita mas questionar e mostrar o quanto ordem demais também pode ser uma prisão e assim o humor, a ironia, a provocação — todos elementos discordianos — podem ser vistos no arquétipo do diabo trickster, tal qual o Woland de Mikhail Bulgakov, mestre em desafiar e enganar para revelar e então quebrar as regras para expor hipocrisias.


Além do mais o Discordianismo não acredita em um mal absoluto nem em condenações eternas pois, novamente, o caos é parte inerente ao todo e não algo a ser temido ou expurgado, então quando abandonamos a visão moralista e dualista cristã do bem versus mal, sobra apenas ter consciência de si e das próprias escolhas.


Um espelho.


E se levarmos escolhas e consequências em conta, niilismo e o hedonismo são complementares, mas quase opostos na forma como encaram a vida:


O niilismo credita na falta de um sentido geral ou propósito objetivo, uma escolha capaz de levar ao ceticismo extremo, desilusão ou até a liberdade total de criar o seu próprio significado.


Nietzsche por exemplo diferenciava o niilismo passivo (desistente) do niilismo ativo (capaz de superar antigos e criar novos valores).


Em quase contrapartida o hedonismo defende o prazer como o maior bem da vida, a ideia de sempre buscar felicidade e evitar a dor, através de prazeres físicos ou intelectuais, e as correntes variam desde o hedonismo clássico (valoriza prazeres simples e moderação) até o hedonismo mais imediatista (festejar sem pensar no amanhã).


Misturando niilismo e hedonismo, o resultado seria algo tipo um famoso "nada faz sentido, então bora aproveitar"; pois se a vida não tem propósito objetivo, o melhor a fazer é curtir o máximo possível enquanto temos tempo, uma mistura que pode ser libertadora ou trazer um grande vazio.



A ideia da falta de um propósito universal pode levar novamente para caminhos bem diferentes, da apatia à destruição; destruição que, novamente, não é o objetivo final do discordianismo, e sim parte da jornada.


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Você sabe, o mundo é forrado de idiotas que ao invés de seguires suas jornadas, vivem passeando no planeta.


Ateus com mandamentos e orações, libertários com hinos e bandeiras, veganos com jaqueta de couro, a lista de pessoas dissonantes e sem espelho na Terra é infinita.


Eu concordo com Daryl Davis, se todos forem para um lado, eu irei para o outro, não é uma escolha, é inevitável, e irresistível.


Não é nem mesmo uma qualidade, pois o lado que eu escolher vai ser inevitavelmente o mais solitário.


E sempre que, de forma consciente ou não, você assume a sua posição do lado oposto, se torna ao mesmo tempo um espelho e um alvo, você passa a refletir o que as pessoas miram em você e projetam, e então se torna um alvo porque as mesmas pessoas não gostam do que veem através de você.


Se forem duas pessoas que por um acaso (azar) do destino, se uniram não por suas qualidades e somas, mas por seus defeitos e subtrações, elas invariavelmente irão tentar escorar em você o desequilíbrio existente entre elas mas, como você não é obrigado a suportar um peso o qual você não quer carregar, será visto como o agente causador da queda.


Eis o problema das dicotomias sociais, elas te obrigam a escolher um lado e te impedem de triangular um ponto de apoio, você escolhe e automaticamente se torna obrigado a assumir as consequências.


E por falar em teimosias, triângulos e consequências, em discordianos e dissonantes, se existe uma cidade teimosa e cheia de teimosos neste mundo, é Nova York.


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No West Village em Manhattan, saindo do Washington Square Park e em direção ao Hudson River existe uma pequena placa em formato de triângulo no chão, exatamente na entrada de uma tabacaria, onde todo mundo pisa mas ninguém pode tocar.


Milhares de pessoas ignoram, outras tantas vão onde ela está apenas para vê-la de perto, afinal trata-se praticamente de um mini-país.



Em 1911 a Cidade de Nova York aprovou um plano para expandir a linha de metrô da Sétima Avenida, conectando o centro e a parte baixa de Manhattan, autorizando (leia-se obrigando) a demolição de 253 construções.


Os proprietários obviamente ficaram furiosos, incluindo a família Hess, da Filadélfia, dona de um prédio residencial de sete andares chamado Voorhis, mas a cidade alegou “domínio eminente” (o direito legal de desapropriar) e não havia o que fazer, então a área foi demolida, menos um pequeno detalhe triangular.


O cartógrafo da prefeitura acidentalmente deixou de fora um minúsculo pedaço triangular de terra na esquina da Sétima Avenida com a Christopher Street, algo em torno de 30 centímetros de lado ou quase 90 centímetros quadrados de área, que ainda pertencia à família Hess.


Os burocratas eminentes tentaram convencê-los a doar o terreno, mas eles se recusaram e assim ficou lá, aparentemente esquecido.


Até 1921, quando a prefeitura — com toda a cara de pau do mundo — cobrou da família impostos atrasados sobre o terreno, e foi aí que eles decidiram eternizar o descontentamento e reclamar a posse do espaço, instalando um mosaico com bordas de concreto e escrito:


PROPERTY OF THE HESS ESTATE

WHICH HAS NEVER BEEN DEDICATED FOR PUBLIC PURPOSES


Pronto.


Anos depois alugaram o imóvel triangular para o dono da loja em frente e em 1938 acabaram vendendo para ele por 1.000 dólares que, por respeito, orgulho e reverência (e herança turística) mantém o triângulo do mesmo jeito, no exato mesmo lugar, reformando sua borda de tempos em tempos, o menor pedaço de terra privada já possuído na cidade.



Minha única decepção é a família Hess não ter decidido erguer o prédio triangular mais alto e mais fino possível ali, porque parece exatamente o tipo de coisa que eles fariam.


Mas o que faz Nova York, além de teimosa, ser tão pequena e tão gigante?


Eu diria que os seus moradores, os nascidos, os visitantes, os que passaram, vieram e ficaram, ou ficaram e se foram.


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Triângulo

Trilogia

Tribuna


Trípode

Trindade

Tripé


Tripartição

Triunvirato

Triângulo


Triversação

Tributar

Tríscele


Santíssima Trindade

Os Três Poderes

Os Três Porquinhos


Três histórias sobre outros três grandes teimosos.


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Marcus Mosiah Garvey nasceu em 17 de agosto de 1887, em St. Ann’s Bay, na Jamaica, então colônia britânica.


Ainda na juventude interessou-se por leitura, política e o orgulho da identidade negra e viajou por diversos países da América Central e Inglaterra, onde teve contato com ideias pan-africanistas e em 1914 fundou na Jamaica a Universal Negro Improvement Association and African Communities League (UNIA), organização que logo cresceria e se tornaria um dos maiores movimentos de massas negros da história moderna.


Em 1916 mudou-se para os Estados Unidos, fixando-se no Harlem, região ao norte do Central Park, onde a UNIA ganhou proporções internacionais, pregando a valorização da cultura negra, o empreendedorismo afrodescendente, a unificação dos povos africanos na diáspora e o retorno à África como símbolo de autonomia e libertação racial.


Fundou jornais, cooperativas, escolas e a empresa Black Star Line, uma companhia de navegação destinada a promover o comércio e o transporte entre afrodescendentes e o continente africano; e seu carisma e suas ideias de “África para os africanos” influenciaram líderes futuros como Malcolm X, Martin Luther King e Bob Marley.


Garvey foi um líder polêmico e atacado por vários setores, incluindo autoridades dos Estados Unidos, que o acusaram de fraude postal em 1923; foi preso e em 1927 deportado para a Jamaica, onde continuou suas atividades políticas e então viveu também em Londres até morrer em 10 de junho de 1940 e (apesar das críticas e contradições) permanece como um dos maiores símbolos do orgulho negro, da autodeterminação e do pan-africanismo.


É considerado até mesmo um dos mentores informais de movimentos negros como os Rastafari, a Nação do Islã e o Movimento Black Power, embora tenha sido extensamente criticado em vida por ser amigo e próximo de supremacistas brancos e membros da Ku Klux Klan pois, veja só, ambos tinham os mesmos objetivos, a segregação racial e o retorno dos negros para a África.


Eis aí um teimoso de dois pés juntos.



O Marcus Garvey Park localizado no Harlem é uma homenagem ao legado do ativista, onde você encontra um elemento simbólico poderoso, um sino de ferro fundido conhecido como Harlem Fire Watchtower, construído em 1856, e até onde eu sei o último ainda existente de quando sinos avisavam sobre incêndios antes das sirenes por manivela.


Embora seja anterior à vida de Garvey, a torre e o sino foram restaurados e preservados como símbolo da resistência e vigilância da comunidade e a presença do seu nome no parque reforça a conexão entre a sua luta por dignidade e a herança viva do bairro, e da cidade, como centro da cultura afro-americana; sino este que, embora hoje fique trancado para evitar vandalismos, ainda é tocado em datas festivas e comemorações da comunidade.


Uma lenda da época da sua instalação conta de uma possível tentativa de transferência do sino para um bairro mais abastado, e branco, da cidade, ao que a comunidade respondeu com um cortante questionamento:


- Senhor prefeito, o senhor acha que negros não pegam fogo?


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Lightnin' Hopkins nasceu filho de escravos e antes de morrer já era reconhecido como um dos maiores e mais influentes músicos de Country Blues, estilo musical híbrido o qual só teimosos se aventuram.


Nascido Sam John Hopkins em 15 de março de 1912, em Centerville, Texas, aprendeu a tocar violão com seu primo (o também lendário cantor Blind Lemon Jefferson) e ainda jovem mudou-se para Houston, desenvolvendo um estilo de blues rural e urbano, acústico e elétrico extremamente pessoal, marcado por letras improvisadas, batidas repetitivas e uma voz rouca e hipnótica.


Durante as décadas de 1940 e 1950, Lightnin' Hopkins gravou dezenas de discos para vários selos como Aladdin, Gold Star e Herald, tornando-se conhecido por sucessos como "Mojo Hand", "Baby Please Don't Go" e "Katie Mae" e frequentemente gravando as músicas no estúdio em uma única tomada, sem roteiro.


Mesmo com a mudança dos gostos musicais ao longo dos anos, Hopkins manteve-se ativo durante o ressurgimento do blues e do folk na década de 1960, quando foi redescoberto por pesquisadores e fãs de música tradicional na época, e sua ida a Nova York foi parte importante desse processo, ano em que gravou o álbum Lightnin’ pela gravadora Candid Records — só com violão e voz e considerado uma das gravações mais sofisticadas de sua carreira.


Também se apresentou em clubes e festivais em outras cidades do norte dos Estados Unidos, onde passou a atrair uma nova geração de ouvintes, incluindo músicos brancos interessados em blues, como Bob Dylan e membros da cena folk do Greenwich Village e seguiu tocando em festivais importantes e se apresentando para novos públicos nos Estados Unidos e na Europa, mas sempre retornando ao Texas, onde mantinha sua base principal de vida e criação musical.



Lightnin' Hopkins morreu em 30 de janeiro de 1982, aos 69 anos, em Houston.


Seu legado permanece vivo na música de inúmeros guitarristas e cantores que se inspiraram em sua autenticidade crua e seu domínio do blues texano.


No referido disco tem a minha música favorita dele, Mighty Crazy, e que abre com uma simples e sensacional frase, a qual diz muito sobre teimosia e, porque não, resiliência:


- This is mighty crazy, to keep on rubbing at the same old thing, and that's exactly what tears I ain't drive neither.


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E por falar em lágrimas não choradas e resiliência, Dan Rossi sabe bem.


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Em um trecho da série documental "The Staircase", o repórter pergunta para o advogado de defesa se ele considera o seu cliente culpado do assassinato da esposa, ou se ele acredita que o réu é inocente, e a resposta vem:


- Isso não importa, o advogado de defesa não serve para inocentar o acusado, mas sim para reduzir o poder do estado sobre o indivíduo.


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Mas você também sabe, Manhattan é uma maratona por si só: Central Park, Madison Square Garden, One World Trade Center, Harlem, avenidas e mais avenidas, esquinas e mais esquinas, parques e mais parques, museus e mais museus, metrôs e trens e mais trens e metrôs, buzinas e sirenes e mais sirenes e buzinas e ratos, e mais ratos.


E na minha opinião, para encarar uma maratona só mesmo começando com o bucho cheio de hot dog.


E se for para comer hot dog, que sua viagem e o seu passeio comecem com nada menos que The Hot Dog King, o melhor de todos: pão, salsicha, ketchup, mostarda e uma história por trás.



Dan Rossi, nascido e criado no Bronx, serviu duas vezes como combatente no Corpo de Fuzileiros Navais dos Estados Unidos durante a Guerra do Vietnã, sendo dispensado com honras após sofrer um ferimento.


Ao retornar fundou a Precision Carts Inc em 1980, uma empresa especializada na construção de carrinhos de comida, e em 1985 começou a alugar diretamente esses carrinhos para vendedores ambulantes, chegando a deter 16% de todas as licenças na cidade em 1994, um total de 499, o que lhe rendeu o apelido de "Rei dos Pushcarts" e descrito pelo New York Times como um "cartel de carrinhos de cachorro-quente de um homem."


Mas no mesmo ano a cidade começou a aplicar uma lei proibindo vendedores em ruas cruzadas do centro, quando Rossi ainda era presidente da Big Apple Vendors Association e atuou como porta-voz dos fornecedores impactados, muitos dos quais protestaram nas ruas, mas no ano seguinte uma força-tarefa criada pelo prefeito Rudy Giuliani recomendou tornar ilegal indivíduos com mais de duas licenças, descrevendo a política projetada para "abrir oportunidades para pequenos empresários", encerrando essencialmente os negócios de Rossi, ficando com apenas uma licença.


Dan Rossi processou a cidade, argumentando que a indústria de fornecedores de alimentos móveis era o único alvo da lei quando outras indústrias e comércios tinham modelos semelhantes aos seus negócios, lei mantida pela suprema corte da cidade, que redistribuiu as licenças anteriores de Rossi por meio de sorteio.


No mesmo ano uma nova legislação municipal limitou ainda mais a posse de licenças individuais, afetando significativamente seus negócios.


Dan Rossi novamente contestou a lei judicialmente, mas não obteve sucesso, levando ao encerramento de sua empresa.


Em 2007 ele estabeleceu o seu hoje icônico quiosque de hot dogs em frente ao Metropolitan Museum of Art no Central Park, utilizando uma lei da época da Guerra Civil garantindo permissões gratuitas de venda para veteranos e, apesar de até os dias de hoje enfrentar desafios legais e ser preso várias vezes por operar sem permissão paga, manteve sua posição, e o sucesso de Rossi levou outros veteranos a seguirem sua liderança, com a frente do museu eventualmente ficando lotada de carrinhos.


Para manter seu lugar fora do museu, começou a dormir dentro da sua van na frente do espaço e durante a pandemia de COVID-19, Rossi visitava seu carrinho diariamente para garantir que eles não fossem removidos pela administração pública.


Em 2022, ele publicou sua autobiografia, "The New York Hot Dog King: From Rags to Riches to Less Than Rags", onde narra sua trajetória de muitos altos e outros tantos baixos.



Em janeiro de 2023, a autorização de saúde do carrinho de Rossi foi retirada pelas autoridades municipais enquanto ele dormia e no mês seguinte, o carro de sua filha ao lado recebeu ordem de mudar de local; Rossi alegou novamente estar sendo perseguido e sua família lançou uma petição online exigindo a aplicação do código urbano de forma mais justa, com efeito.


Na exata primeira manhã que chegamos e acordamos e saímos, e na primeira esquina que viramos após meia hora de caminhada (planejamos assim), vimos que o seu carrinho havia sido interditado novamente.


Não tivemos tempo de chorar pois a fome estava maior, caminhamos mais cinco minutos e fomos de Nathan's (a segunda opção e primeiro piriri da viagem) e de noite, voltando pelo mesmo caminho, o selo de interdição havia sido retirado e aí na manhã seguinte a promessa refeita e o dever cumprido, o primeiro Hot Dog King, pelas mãos do próprio.


Pois heróis são heróis.



Trechos e frases do seu livro poderiam ser poemas, musicas, lemas ou simplesmente frases motivacionais com o peso de quem sabe e se orgulha da própria história:


"I had an empire once. They called me the Hot Dog King."

"I was making a living, and supporting three generations of Rossi's with this cart."

"I'm a disabled veteran. I sacrificed for this country, and I've got a right to make a living like everyone else."


"I may not be the Hot Dog King anymore, but I've still got a lot of fight left in me. I'm coming back. One hot dog at a time."

"It's a volume business, and there's no volume now."

"The city's attempts to oust me...were futile. He refused to move his carts, day or night."


"They took me to court and I beat 'em so bad. They've taken me to jail. They've tried to tow me. For five years I slept in the cart every single night."

"I'm guarding this spot with my life. They're not going to beat me. Not again."

"Always do the right thing, no matter what they do to you."


"I could have walked away, I could have kept everything I had, but I wouldn't have been able to live with myself."

"I define success as being able to keep a roof over my family's head."

"I'm not going to pay a thing... I've got a right to make a living like everyone else."


"I'm coming back. One hot dog at a time."

"People ask how I became known as the hot dog guy who sleeps in my van to guard my hot dog cart...but they don't know me and how I got to this point."



Livro que também considero um pequeno troféu, principalmente pelo diálogo que se seguiu, e então um autógrafo:


- My name is Luiz, with a "z" in the end.


- So Loiuz with a "z" but Brazil in general is actually with a "s", am I right?


- Yeah that's true.


E então ele disse:


- I see in your eyes that you will enjoy this book, despite my life is all about laws and sausages.


- I prefer sausages.


- So am I, and sausages for all.



A vida de Ran Rossi é uma maratona, e ele vive entrincheirado em uma guerra sem fim contra quem deveria defender ele.


O que faz o povo norte-americano e homens como Dan Rossi tão fortes é pura e simplesmente o fato de que eles enxergam os seus governantes e o poder público como eles de fato são: prestadores de serviços.


E se Dan Rossi faz apenas hot dogs, e leis são como salsichas, é melhor não saber como são feitas, pois quantas mais perguntas melhores podemos fazer sobre a vida:


Quando a Ilha do Amanhã deixa de ser do amanhã e passa a ser a Ilha de Hoje?

Quando Edimburgo deixa de ser Edimburgo e passa a ser Salvador?

Quando Dublin deixa de ser Dublin e passa a ser Recife?


Quando o tempo deixa de estar parcialmente ensolarado e começa a ficar parcialmente nublado?

Quando a sombra entre dois postes deixa de ser um alento e passa a ser algo incômodo?

Quando o copo deixa de estar cheio e passa a ser considerado vazio?


Quando um ipê deixa de ser algo bonito e passa a fazer uma sujeira?

Quando você deixa de ser uma pessoa ponderada a passa a ser chamada de insentona?

Quando o hoje deixa de ser o ontem e passa a ser o amanhã?


Quando o Yin se torna Yang?

Quando o caos se torna ordem e quando a ordem desanda em caos?

Quando o platonismo, a admiração, se torna uma patologia ou seja, uma paixão?



São as dúvidas, as incertezas e as contradições que tornam a vida e as pessoas interessantes.


E Eris não causou nenhuma discórdia, ela já existia, Éris apenas revelou.


Chegou a hora de falar do meu herói de cabeceira, e da importância do décimo homem, um discordiano oficialmente reconhecido.


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Cápsulas de mísseis iranianos esfarelados no Iron Dome do tempo.


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Uma mulher de 38 anos foi internada após se engasgar com farelo enquanto participava de um desafio de comer paçoca em Mongaguá, São Paulo, a competição é conhecida como “Desafio da Paçoca”, onde o participante ganha R$ 200 se conseguir comer cinco paçocas em 30 segundos.


Faltou treino para a moça, minha média deve ser 30 paçocas em cinco segundos.


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E por falar em discordians eu esqueci de comentar no ensaio anterior, Israel e Irã estão em guerra, os Estados Unidos entraram para ajudar Israel e o Ali Khamenei postou no X:


"A punição continua. O inimigo sionista cometeu um grande erro, cometeu um grande crime; ele deve ser punido e está sendo punido; ele está sendo punido agora mesmo."


Sim, o aiatolá do Irá usa um perfil do X para ameaçar os vizinhos.


Aí Israel soltou alguns mísseis, se defendeu de outros, os EUA mandaram outros mísseis e mais bombas usando aquele avião bonitão e aí o Irã atacou uma base militar norte-americana no Qatar, mas avisou antes para dar tempo da galera fugir, aí o Donald Trump anunciou acordo de cessar-fogo entre Irã e Israel mas o cessar-fogo não foi lá muito respeitado e a briga continua entre xingamentos na internet e mais ataques disfarçados de defesa, então aproveite para comer quantas paçocas você conseguir, porque o preço de tudo vai subir.


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A análise de DNA das supostas lágrimas de sangue de uma estátua da Virgem Maria na cidade italiana de Trevignano na verdade eram sangue da própria dona da imagem — a autoproclamada vidente Gisella Cardia, que organizava as peregrinações.


Desde 2016, Cardia relatava supostas aparições de Maria e Jesus na localidade ao noroeste de Roma. Regularmente, ela se reunia com seus seguidores para celebrações públicas de oração e claro, cobrava por isso pois não existe catolicismo sem monetização, e no centro dessas reuniões estava a figura de Nossa Senhora, que ocasionalmente chorava lágrimas de sangue, embaixo das quais os peregrinos e fiéis faziam e cumpriam promessas.


Segundo relatos da mídia italiana, parte dos peregrinos agora a acusam de fraude e enriquecimento ilícito e exigem a devolução das doações feitas.


A advogada de Cardia, Solange Marchignoli, argumenta que o DNA encontrado pode ser um perfil misto pois sua cliente constantemente tocou a estátua, beijou-a e manipulou, e sustenta ser necessário aguardar os resultados oficiais de mais perícias antes de tirar conclusões definitivas.


Enquanto isso, fiéis mais renitentes (histéricos) se agarram na teoria do milagre pois, nas suas opiniões não tanto racionais e tampouco científicas, não há como comprovar a fraude pois ninguém sabe qual o DNA da Virgem Maria para comparar, a mesma que, diga-se de passagem, engravidou virgem.


Vender paçocas, mísseis e milagres, estão aí negócios que nunca irão falir.


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