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ENSAIO 09: COBRAS E LAGARTOS

Atualizado: 29 de out. de 2023



Se você está aqui pela primeira vez este ensaio faz parte de um livro sendo escrito em tempo real seguindo a narrativa do fluxo de consciência, se te interessar acompanhar o processo comece pelo primeiro.



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07/06/2022


COBRAS E LAGARTOS


Cobras e lagartos, lagartixas e juízes, tudo está conectado.


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Ouroboros (do grego "aquele que devora a própria cauda") é um símbolo muito curioso, significativamente poderoso e muito bonito, conhecido pela imagem de uma cobra (às vezes dragão ou cobra com cabeça de dragão) em formato circular comendo o próprio rabo e representando o eterno retorno, a espiral da evolução, a morte e a reconstrução.



A representação mais antiga que se conhece deste símbolo está em um texto funerário do Antigo Egito, no túmulo do imperador Tutancâmon, e representava a união de Rá, deus do sol, e Osíris, deus da vida, significando os ciclos vitais que aparece também em várias outras culturas com vários outros significados ao longo dos séculos como na China antiga (união das polaridades e a transcendência da dualidade), no Budismo (o estado de ausência, início e fim), na Alquimia (vida e imortalidade), no Gnosticismo (eternidade e imortalidade) e até mesmo na Maçonaria (eternidade, renovação, amor e sabedoria).



De forma simplificada e até mesmo atualizada, Ouroboros é a representação da Lei do Retorno.



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Cobra por cobra e rabo por rabo todos os anos na Índia acontece a festa de nome Nag Panchami para celebrar as divindades relacionadas às cobras no hinduísmo, feriado religioso onde as mulheres saem pelas ruas e templos oferecendo leite aos animais. Conhecida também pela espécie assustadoramente linda Naja indiana, e por este motivo e crença a Índia volta e meia sofre com infestação por cobras e em pelo menos um momento conhecido, a solução oferecida para o problema acabou por tornar ele maior.


A capital Nova Déli estava sofrendo uma superpopulação de cobras em sua área urbana, claramente um caso de saúde pública, mas então o governo da colônia encontrou uma solução: oferecer uma recompensa financeira para cada serpente morta entregue pela população.


Funcionou, o povo começou a caçar os répteis, o que de fato reduziu o número de cobras venenosas mas depois de um tempo algo começou a chamar a atenção das autoridades locais: As cobras não eram mais vistas rastejando pela cidade, mas eles continuavam a receber cobras e mais cobras mortas e a pagar tantas ou até mais recompensas.


Na prática quando ficou mais difícil encontrar cobras por aí as pessoas decidiram empreender e começaram a criar as serpentes dentro de casa, para então poder matá-las e continuar recebendo o dinheiro que o governo oferecia.


Quando o governo descobriu o que estava acontecendo suspendeu o incentivo e como as cobras agora não tinham mais nenhum valor os criadores soltaram elas pela cidade só que, desta vez, em número maior.


Realmente o mundo é um constante aqui se faz, aqui se paga ou neste caso, aqui se cria, aqui se cobra.


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Na mesma Índia a maior cobra venenosa do mundo (cobra-real) se encontrou com a maior cobra do mundo (píton) após uma enchente, uma morreu envenenada e a outra morreu estrangulada, ambas entrelaçadas, fim.



Me parece ser o maior mito grego jamais escrito e se isso não é uma promoção leve dois Ouroboros pelo preço de um eu não sei mais o que é.


Mas se políticos nem sempre trabalham ao seu favor, na verdade quase nunca, e se cobras não trabalham nem mesmo a favor delas mesmas, pelo menos a justiça às vezes pode ser muito elegante e divertida, como as lagartixas.


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Lagartixas são lindas e incompreendidas.


Lagartos-anão, provavelmente um mini-dinossauros que sobraram após a queda do meteoro e talvez por este motivo elas tenham autoestima tão baixa.


Charmosas, desconfiadas, discretas e silenciosas.


Uma lagartixa não parece querer nada além da vida a não ser apenas cuidar da própria, mesmo com aquele ar culpado no olhar de quem vive de favor na casa dos outros.


Aliás se tiver uma na sua casa, esta é uma péssima e ótima notícia, a péssima significa que tem barata onde você mora, a ótima é que ela come a barata por você.


E mais incrível, de tão silenciosa e educada ela faz isso longe dos seus olhos para você não precisar ter nojo dela também. E não se engane pelo seu tamanho, olhar dócil e inocente, só um predador voraz consegue atacar e pegar uma barata, algo que no auge e no topo da cadeia alimentar nós humanos ainda fazemos escândalo e fugimos quando vemos uma.


Quando não está comendo do pior a lagartixa passa os minutos, horas e dias apenas vivendo e parada te encarando, seguindo os seus passos sem piscar (e sem motivo) ou fugindo de medo de você (e sem razão). O medo é tão grande, mas tão grande, que ela possui um pacto com nós mesmo sem o nosso conhecimento, bata palma ou o pé ou grite se estiver inspirado e ela simplesmente te dá o rabo e sai correndo.


Quão perfeito seria o mundo se toda vez que você quisesse comer o rabo de alguém bastaria você dar um susto na pessoa? E ela ainda faria o favor de ir embora sem olhar para trás?


Lagartixas são sensacionais, até quando vão parar na justiça podem ser tudo menos litigiosas e de tão elegantes, até os juízes se dobram.


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Pelo menos em um grande momento da história uma lagartixa foi o personagem central de uma treta jurídica e a sentença foi nada menos que sensacional, a qual faço questão de colar aqui, segue:


Autos n° 082.11.000694-3

Ação: Procedimento do Juizado Especial Cível/Juizado Especial Cível

Autor: Antenor Cirtoli

Réu: Komlog Importação Ltda.

Vistos, etc.


Trata-se de ação que dispensa a produção de outras provas, razão pela qual conheço diretamente do pedido.


A preliminar de complexidade da causa pela necessidade de perícia deve ser afastada, porquanto a matéria é singela e dispensa qualquer outra providência instrutória, como dito.


Gira a lide em torno de um acidente que vitimou uma lagartixa, que inadvertidamente entrou no compartimento do motor de um aparelho de ar condicionado tipo split e que causou a sua morte, infelizmente irrelevante neste mundo de homens, e a queima do motor do equipamento, que foi reparado pelo autor ao custo de R$ 664,00 (fl. 21), depois que a ré recusou-se a dar a cobertura de garantia.


É, portanto, indiscutido nos autos que a culpa foi da lagartixa, afinal, sempre se há de encontrar um culpado e no caso destes autos, até fotografado foi o cadáver mutilado do réptil que enfiou-se onde não devia (fl. 62), mas afinal, como ia ele saber se não havia barreira ou proteção que o fizesse refletir com seu pequeno cérebro se não seria melhor procurar refúgio em outra toca.


Eis aqui o cerne da questão, pois afinal uma lagartixa tem todo o direito de circular pelas paredes externas das casas à cata de mosquitos e outros pequenos insetos que constituem sua dieta alimentar.



Todo mundo sabe disso e certamente também os engenheiros que projetam esses motores, que sabidamente se instalam do lado de fora da residência, área que legitimamente pertence às lagartixas. Neste particular, tem toda a razão o autor, se a ré não se preocupou em lacrar o motor externo do split, agiu com evidente culpa, pois era só o que faltava exigir que o autor ficasse caçando lagartixas pelas paredes de fora ao invés de se refrescar no interior de sua casa.


Por outro lado, falar o autor em dano moral é um exagero, somente se foi pela morte da lagartixa, do que certamente não se trata. Houve um debate acerca da questão e das condições da garantia, que não previam os danos causados por esses matadores de mosquitos.


Além disso, o autor reparou o equipamento, tanto que pretende o ressarcimento do valor pago, no que tem razão.


E é só. Além disso, é terreno de locupletamento ilícito à custa de outrem. Diante do exposto, julgo parcialmente procedente a ação, para condenar a ré a ressarcir o autor da quantia de R$ 664,00 (seiscentos e sessenta e quatro reais), a ser acrescida de juros de mora de 1% desde a citação e correção monetária pelo INPC, desde o desembolso (fl. 62).


Sem custas e sem honorários.


P. R. I.

Florianópolis (SC), 22 de fevereiro de 2012.

Helio David Vieira Figueira dos Santos

Juiz de Direito


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Tadinho do governo, tentou te ajudar e aumentou o problema e tadinha da lagartixa, entrou para a história tentando se proteger e morreu por nós.


Mas a pergunta agora é: se podemos ajudar o governo a não ajudar a si mesmo e se podemos mudar nosso destino mesmo sem ter controle sobre ele, por que o acaso nem sempre é por acaso e mais importante, por que os aliens não se importam com nós?


A Apple e o homem que planta o seu feijão podem responder.


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Cápsula do tempo.


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Nada digno de nota, apenas que falta pouco para o inverno, e inverno me faz feliz.


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