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ENSAIO 10: ALEATÓRIO E TRIVIAL

Atualizado: 30 de out. de 2023



Se você está aqui pela primeira vez este ensaio faz parte de um livro sendo escrito em tempo real seguindo a narrativa do fluxo de consciência, se te interessar acompanhar o processo comece pelo primeiro.



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22/06/2022


ALEATÓRIO E TRIVIAL


Quando a Apple te enganou para você não se sentir enganado e os aliens te enganam todos os dias e você nem se importa.


O Paradoxo da Aleatoriedade Padronizada e a Teoria da Trivialidade do Universo.


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Quando a Apple lançou o Ipod Shuffle a ideia parecia ótima: ouça suas músicas preferidas em ordem aleatória e tenha cada dia uma nova experiência com a sua playlist.


Em menos de três dias os primeiros consumidores voltaram nas lojas indignados querendo devolver porque (segundo os seus próprios ouvidos testemunharam) o aparelho (basicamente uma pendrive com fone de ouvido) repetia as músicas mesmo estando no modo aleatório e, sacrilégio dos sacrilégios, volta e meia repetia a mesma música duas vezes seguidas.


O problema estava não só na língua como na matemática, shuffle significa embaralhar, logo uma mesma música após ser reproduzida volta para o mesmo saco de onde saiu com a mesma chance de ser escolhida novamente pois assim a probabilidade matemática determina (incluindo a chance de ser reproduzida duas vezes seguidas) e assim o modo aleatório dentro do jogo das probabilidades nada mais é que permitir, aleatoriamente, a mesma música ter a mesma oportunidade das outras a cada nova rodada.


Mas não dentro da nossa mente acostumada a encontrar padrões a respeito de qualquer manifestação que se mostre e quando não encontra cria um para poder dormir em paz.


Como os engenheiros e principalmente os acionistas da empresa também gostam de dormir tranquilos a solução foi reprogramar o Ipod e o modo aleatório não ser tão aleatório assim, fazendo com que cada uma das suas músicas favoritas só voltasse a ser tocada novamente após você desligar e religar o aparelho, tal qual um número de loteria recém devolvido para a cesta giratória no fim do sorteio.


Em outras palavras a Apple enganou você para que você não se sentisse enganado e o seu cérebro aceitasse o padrão que ele mesmo criou para a probabilidade matemática, interpretando como aleatório justamente quando deixou de ser e claro, de certeza apenas uma: todos os Ipod Shuffle estão agora, neste exato momento, boiando não tão aleatoriamente em algum oceano ou no fundo da sua gaveta esperando a vez de ter o mesmo destino.


Se a fanta não era laranja, se nem todo refrigerante transparente tem sabor de limão e se o seu suco natural é artificial para parecer natural porque você mesmo pediu e se aleatório não é tão aleatório por sua culpa assim a Apple criou o que eu chamaria de Paradoxo da Aleatoriedade Padronizada e o que poderia ser o Independence Day da vida real talvez seja absolutamente trivial, por isso eu vou te contar sobre a Teoria da Trivialidade do Universo.


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Eu tenho uma teoria na qual os aliens já nos visitam faz tempo e o fato de não termos contato com eles não é problema da tecnologia, mas sim do bucolismo.


Eu explico.


Esses tempos me perguntei se os OVNIs registrados em fotos analógicas antigas não passariam de drones operados por controles remotos como aquele que o colega riquinho do seu pai ganhou de natal e só ele podia brincar.



Depois passei a me perguntar se eram naves alienígenas reais mesmo e em seguida me perguntei o motivo pelo qual eles pareciam estar sempre só de passagem pela Terra, sem pousar, sem sair da nave para bater fotos com a Xuxa, sem parar para abastecer, e apenas levando uma vaca ou outra de vez em quando de lembrança.



E aí veio a certeza, os alienígenas já nos visitam faz tempo e com certa frequência, mas nós não conseguimos vê-los por causa da Teoria da Trivialidade do Universo.


Imagine a seguinte cena: um velhinho em seu sítio cuidando da própria vida, guardando o trator, ou sentado na varanda, ou lavando os pés no tanque.


Pousa uma nave dessas velhas estilo ficção vintage de baixo orçamento, com barulho de carburador interestelar ou suspensão anti-gravitacional rangendo, sai um ET pelado e ao mesmo tempo indiferente e puxa algum papo com o sitiante de forma absolutamente banal, algo como "vim de Saturno até aqui com o tanque na reserva" e o assunto entre ambos se inicia e continua neste nível superficial onde não existe nenhum estranhamento ou deslumbramento no contato entre eles, apenas um duelo de monólogos entre um viajante naturalmente cansado por percorrer distâncias sobre-humanas e um trabalhador naturalmente entediado por saber exatamente como será o dia de amanhã.


Um representante de remédios quânticos ou lobista de armas laser do mundo da lua encontrando na Terra um agricultor, um ser que se permite levitar todos os dias versus um senhor cuja oportunidade de vida é viver, literalmente, com os pés no chão.


O alien pergunta se a vaca tem antenas e o senhor diz que ela não precisa disso.


O senhor pergunta se a nave tem toca-fitas e o alien responde que não é necessário pois no planeta deles o plano de Spotify é um chip implantado.


O senhor não sabe o que é um chip, muito menos um Spotify, mas também não pergunta.


O alien se pergunta em silêncio se usar rodas não resolveria metade dos problemas do seu planeta natal. O senhor se pergunta por qual motivo eles sempre viajam pelados, se não sentem frio e por onde eles fariam xixi. O resto ele prefere não se perguntar.


O alien se pergunta qual a graça ou necessidade sádica de plantar algo para depois arrancar da terra e comer.


O senhor se pergunta se as vacas vão embora porque querem ou se são sequestradas, e se os aliens gostam de churrasco e chimarrão.


Tem gaúcho por tudo quanto é lado neste país, imagina se não teria também em outro planeta.


O alienígena mais preocupado com a hora de voltar para casa e o sitiante com a hora de acordar amanhã e pensando consigo mesmo o quão o trator dele parece ser mais resistente, bonito e útil que um disco com aparência de torta embrulhada em papel alumínio, um autêntico OVNI (Objeto Voador Não Interessante) e assim segue, apenas dois seres de mundos diferentes mas sem nenhum assunto relevante ou atrito sério o suficiente para os Estados Unidos se envolverem.


Um ser que já viu de tudo nesse(s) mundo(s) de frente com outro que já viu demais nessa(s) vida(s).


Um paradoxo de milhares de quilômetros percorridos na velocidade da luz em um único dia versus os lentos quilowatts consumidos na conta da luz no fim do mês.



Buraco de minhoca parece ser o único assunto em comum mas as soluções de cada um criam paradoxos e mais paradoxos sobre o tema. O alien diz nunca ter visto em todo o universo, o senhor alega ver todos os dias, o alien pergunta qual tecnologia ele usa e o senhor lhe dá uma enxada de presente.


Silêncio desconfortável, a enxada levita para o interior da nave e o senhor sorri amarelo.


O alien parece ter o universo em suas mãos e senhor parece ter tudo o que precisa. Talvez tenha até uma nave guardada confiscada de algum alien fugitivo vindo de Netuno e confundindo a Terra com Vênus pousou forçadamente e fugiu (e hoje apresenta um programa de TV, o qual o sitiante assiste e jura para a esposa que ele é de outro planeta, e ela ignora).


Como todas as naves (mesmo as mais descoladas, modernas e rebaixadas) preferem pousar em um lugar mais calmo e longe de uma cidade grande - e ninguém, em nenhum lugar no universo, gosta de pagar multa por estacionar onde não deve - todas estão sempre fadadas a dar de cara com um caipira do interior nem um pouco interessado em saltos quânticos ou dobras no espaço-tempo.


Quem sabe ele apertou o modo navegação shuffle da nave e veio parar justamente no planeta dos símios aleatórios cujo sentido da vida parece ser buscar padrões e culpados em tudo e todos.


Alguns desses aliens inclusive, marcianos talvez, nem ao menos querem conversar.


Adolescentes entediados (e arruaceiros) ultrapassam os limites da velocidade e da razoabilidade fazendo rachas e cantando pneus ultra propulsores, deixando marcas simétricas nas plantações que mais parecem pichações interestelares nos provando que, mais inteligentes ou não, a educação passou anos-luz longe e o universo está cheio de filhinhos de papai com suas naves rebaixadas e criados em galáxias particulares no Condomínio Alpha Centauri.


É de se perguntar se alguém um dia puxou a orelha deles quando crianças, mas também é de se perguntar se eles possuem orelhas de fato.


Essa é a Teoria da Trivialidade do Universo, ou Paradoxo do Bucolismo, Einstein não se atreveu a estudar nem Freud a entender.

Não há fórmula ou psique capazes de explicar ou justificar o tédio universal, não há espaço para comportar toda a matéria escura da rotina infinita.


Apenas nada como um dia após o outro onde até o caos bocejaria, dois mundos coexistindo interligados por um buraco negro de platitudes e acaso de onde uns tentam fugir e outros aceitam ser dragados naturalmente.


Seriam os aliens meros burocratas, fiscais da gravidade alheia, funcionários públicos vindos de algum buraco negro dispostos a nos dragar de tempos em tempos?


Sejam eles quem forem, o sitiante não se importa.


Afinal se até Deus precisou de um dia para descansar não seria uma nave espacial capaz de estragar a noite de sono de quem todo dia lida com pragas piores. Reptilianos ele nunca viu, mas cobras e lagartos ele está cansado de ver.



Buraco de minhoca não é uma hipótese se você nem souber o que uma hipótese é e assim como dois e dois são quatro, as únicas certezas da vida são a morte e o nascer do sol, todos os dias.


E além de tudo, a Área 51 é péssima para plantar milho.



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John por sua vez passou 30 anos procurando e não encontrou alien nenhum, em compensação encontrou o que muitos passam a vida tentando encontrar.


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Cápsula do tempo.


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Ontem começou o inverno, em outras palavras, o meu verão.


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