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ENSAIO 41: VITAS

Atualizado: 10 de dez. de 2023



Se você está aqui pela primeira vez este ensaio faz parte de um livro sendo escrito em tempo real seguindo a narrativa do fluxo de consciência, se te interessar acompanhar o processo comece pelo primeiro.



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09/10/2023


VITAS


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É possível perder e vencer ao mesmo tempo.


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As expressões “agradar gregos e troianos”, “presente de grego” e "pomo da discórdia" são bastante populares no Brasil e significam, respectivamente, o desejo em agradar todo mundo, um presente, presença ou atitude que desagrada todo mundo, e o objeto, pessoa ou também atitude causadora de desagrado e desacordo após surgir em um grupo ou ambiente anteriormente em harmonia.


A Síndrome de Cassandra por sua vez (a qual eu chamaria de Síndrome do Eu Avisei) não é tão conhecida mas muito vivenciada por quem sofre e vem da sensação de saber antes as consequências de fatos futuros, tentar avisar todos e ser seguidamente ignorado e então menosprezado ou até mesmo odiado quando a sua previsão se confirma, ora por não ter "avisado direito", ora por ser culpado e causador da mensagem que se concretizou.


Tem origem no Mito de Cassandra, ou Alexandra, filha dos reis de Troia, quando o deus Apolo se apaixonou por ela e a ofereceu o dom da profecia em troca do seu amor mas Cassandra muito da malandra aceitou o presente e não cumpriu a sua parte, então Apolo manteve o dom de prever mas tirou a capacidade de persuasão, fazendo com que ninguém acreditasse nas suas profecias, tornando-a considerada louca por todos. Muitas vezes Cassandra é retratada arrancando os próprios cabelos em desespero por não conseguir a atenção de olhos e ouvidos para seus relatos, que sempre se concretizam.


De concreto já sabemos, a mitologia grega é complexa e ao mesmo tempo uma mistura de ata da reunião do condomínio com boletim de ocorrência de briga de carnaval com processo na vara de família e muitas perseguições, intrigas, discussões, brigas, guerras que duram dez anos e também presentes indesejados, traições, discórdias e fofocas.


E não só na bíblia, nas vizinhanças do Olimpo uma maçã também criou uma encrenca, com o perdão da expressão, homérica.


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A Guerra de Tróia surgiu quando todos os deuses foram convidados para o casamento de Peleu e Tétis exceto Éris, a deusa da discórdia, que foi barrada na porta por ordem de Zeus.


Insultada, ofendida, pê da vida e injuriada, Éris jogou pela porta um presente de sua autoria, uma maçã (ou pomo) de ouro com a inscrição: para a mais bela*.



Como a Mitologia Grega parece uma timeline do Instagram todas as presentes se acharam as mais belas, sendo elas Athena (deusa da sabedoria), Afrodite (deusa do amor) e Hera (a rainha do Olimpo e deusa do casamento).


Nenhuma delas quis quebrar as unhas ou ter seus cabelos arrancados para resolver as certezas de cada uma e chamaram Zeus para apartar o conflito e julgar quem de fato era a mais bela. Mas o rei dos deuses, nenhum pouco bobo, sabia que se fosse o responsável pelo resultado traria a fúria de pelo menos outras duas deusas e aí já viu, rancor de deusa é para toda eternidade.


Mas mitologia das boas sempre tem um mortal disponível disposto a aceitar o que nem um deus quer resolver por isso Zeus convocou Páris, príncipe de Troia.


Neste momento o pomo da discórdia já era uma batata quente e as deusas foram até ele prometendo de tudo um pouco em troca do título da beleza junto de Hermes, o mensageiro dos deuses.


Athena prometeu transformar Páris no melhor guerreiro de todo o mundo conhecido.


Hera prometeu torná-lo o maior rei que a Europa e a Ásia poderiam ter.


Afrodite foi mais simples e direta e ofereceu o amor da mulher mais bela do mundo.


Adivinha o que Páris escolheu.


Afrodite fez com que Helena, a Rinha de Esparta e a mais bela de todas as mulheres, se apaixonasse pelo príncipe (causando a ira de Hera e Atenas do mesmo jeito), abandando seu marido Menelau, o rei espartano, que orgulhoso e ferido no ego declarou que ela havia sido raptada, convocando todos os reis e príncipes da Grécia para travar a guerra contra Tróia.


Gente, a Guerra de Tróia é basicamente uma intriga de uma invejosa, uma briga de três comadres, um príncipe que poderia mudar seu nome para Priápis, um chifre e um pé na bunda e lá se foram dez anos de espadas e tochas e gritos e cavalgadas em sucessivas batalhas que pareciam não ter fim.


Mas antes de voltar para casa encontrar Argos, Ulisses construiu e deu um presente de grego para Tróia, um enorme cavalo de madeira oco por dentro.



Um dia os troianos perceberam o acampamento dos inimigos vazio e imaginaram que finalmente haviam abandonado a guerra, encontrando o enorme cavalo de e, acreditando ser um presente de rendição, carregaram para dentro de suas muralhas, algo que Cassandra ignorada como sempre e desesperada como nunca avisou todos para não fazer,



Durante a noite enquanto os troianos dormiam os soldados gregos escondidos saíram de dentro do cavalo e abriram os portões da cidade que foi invadida, saqueada, incendiada e destruída, pondo fim à guerra após dez anos de batalhas.



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Longe de Tróia temporalmente, geograficamente e historicamente o tenista profissional Vitas Gerulaitis é lembrado mundialmente por uma passagem de sua vida, cunhando uma frase que é parte da mitologia do tênis profissional mundial, a qual na minha opinião deveria ser ensinada nas escolas.



Entre 1974 e 1979 o tenista Jimmy Connors completou 16 vitórias consecutivas contra Gerulaitis até o Masters Tournament no Madison Square Garden, quando enfim Vitas venceu Connors e declarou:


- Que isto sirva de lição para todos, ninguém vence Vitas Gerulaitis 17 vezes seguidas.


O auge da resiliência, bom humor, esportividade, ironia, sarcasmo e perseverança.



Um marco que infelizmente foi alcançado por outro tenista, Bjorn Borg (e quase concomitantemente entre 1974 e 1981), conseguindo vencer Gerulaitis nas 17 vezes em que se enfrentaram, oito delas nas finais de torneios.


Eu não fazia a mínima ideia quem era Vitas Gerulaitis antes de ler esta passagem da sua vida mas é o tipo de frase que definitivamente faz você querer saber um pouco mais sobre a pessoa.


Vitas Gerulaitis foi um tenista profissional americano e filho imigrantes lituanos, nascido no bairro Brooklyn em Nova York, Estados Unidos, no dia 26 de julho de 1954.


Seu nome completo, Vytautas Kevin Gerulaitis, faz pensar que um cara chamado assim parece não deixar meio-termo, ou ele foi um sucesso ou um completo fracasso.


Como acabamos de perceber, Vitas foi ambos.


Vitas largou os estudos aos 19 anos para se dedicar integralmente ao tênis profissional, conquistando logo o apelido de "Leão da Lituânia" e levou uma vida entre a humildade dos esportistas gente-boas e o luxo das estrelas internacionais do esporte, convidando fãs para festas do pijama em hotéis e ao contrário de Éris era convidado para todas as festas e entrava sem pegar fila no também mitológico clube Studio 54, cheirava cocaína como um Minotauro nervoso, foi amigo de famosos como Andy Warhol, Mick Jagger e Muhammad Ali e não perdia tempo em escolher entre Athenas, Heras ou Afrodites, pegava todas democraticamente.



Fundou a Clínica Juvenil da Fundação Gerulaitis levando o tênis para jovens de todas as idades e classe sociais em todos os cinco bairros da cidade de Nova York (cidade que sempre chamou de lar adotivo) e morreu tragicamente aos 40 anos de idade enquanto dormia, envenenado pelo vazamento de monóxido de carbono do gás de um aquecedor de piscina com defeito.



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Tragédias gregas e tenistas excêntricos ensinam várias lições. Você pode não vencer sempre, você pode ser ignorado até sentir vontade de arrancar os cabelos, você pode até mesmo perder 16 batalhas seguidas e vencer a guerra na décima sétima. E então perder a próxima guerra após 17 batalhas. Talvez te convidem para todas as festas, talvez não. Talvez um dia você agrade gregos e troianos, talvez não. Talvez um dia te ouçam, talvez até te dêem razão pois a vida, do latim Vita, é assim mesmo ou ainda, como diz o ditado:


Vita brevis, ars longa.

A vida é curta, a arte é longa.



Se Vitas fosse brasileiro chuto que infelizmente jogaria tênis apenas nos finais de semana, com roupas da Speedo falsificadas, lycra cinza com detalhes verde-limão para combinar com o cadarço da mesma cor, daquelas que arranham o suvaco, assam a virilha e incomodam nos pés, compradas na seção de esportes da Havan, aquela loja daquele cara que votou naquele cujo número era 17.


Mas por falar em perseverança tenho certeza que o Vitas nunca estacionou num shopping para ver o que é bom pra tosse.


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*Em tempo, existe uma discussão tão antiga quanto as interpretações dos mitos gregos de que Éris dedicou o pomo para "a mais justa" (to the fairest) e não para "a mais bela" (to the fairy) mas tão antigo quanto, o que pode explicar esta confusão, é o Efeito Halo (do inglês "auréola", angelical), a (in)capacidade humana de associar qualidades de caráter à beleza física, a forma do nosso cérebro nos ludibriar, justificar e racionalizar a atração física, instintiva e irracional.


Se discutir se as deusas gregas eram as mais belas ou qual delas era a mais bela já foi motivo de guerra, imagina discutir qual delas teria sido a mais justa.


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Cápsulas do tempo.


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Ross Ulbricht completou dez anos de cadeia esta semana.


Lembrando também que:


Edward Snowden vai viver no exílio para sempre.

Aaron Swartz cometeu suicídio por medo de ser preso por crimes que não cometeu.

Julian Assange está preso e ainda enfrentando acusações que podem condená-lo até dezenas de anos de cadeia.


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Fiquei sabendo que não pode mais usar a palavra cringe para definir algo que é cringe.

Ou seja, os cringes estão no poder.


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Por falar em cringe, terroristas do Hamas bombardearam e invadiram Israel no aniversário de 50 anos da Guerra do Yon Kippur, os EUA se empolgaram e já estão mandando porta-aviões para lá.


E Israel, um dos estados mais militarizados, vigiados e espionados do mundo, não conseguiu prever estes ataques, que sempre acontecem em datas comemorativas, igual festa junina.


E a galera já está brincando de hashtag e trocar avatar nas redes sociais.


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Semana passada foi comemorado o Dia Mundial dos Animais, ótimo momento para lembrar que Deus encheu a Arca de Noé de bicho e não de gente e encerrar com um poeminha:


Eu gosto de cachorro, cavalo e tubarão

E para gente de vez em quando eu abro exceção


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