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ENSAIO 22: JOKENPÔ

Foto do escritor: LFMontagLFMontag

Atualizado: 3 de jan.



Se você está aqui pela primeira vez este ensaio faz parte de um livro sendo escrito em tempo real seguindo a narrativa do fluxo de consciência, se te interessar acompanhar o processo comece pelo primeiro.



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21/12/2022


JOKENPÔ


Um jogo infantil é uma lição sobre o exercício do poder.


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Estes tempos eu vi uma entrevista com o Rogério Vilela onde ele fala de um livro dele que poderia virar jogo ou filme ou série e assim por diante e a ideia geral é tão simples quanto genial, e a sinopse já indica isto:


Joquempô, de Rogério Vilela e Nelson Cosentino.


Um jogo é criado com a humanidade dividida em três categorias: papel, pedra, tesoura.

As regras são rígidas e a escolha dos principais jogadores, ao que parece, já foi feita.


Não li o livro e o Rogério não me conhece, então posso perfeitamente roubar esse gancho e desenvolver o que eu mesmo penso a respeito do Jokenpô.


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De acordo com a Wikipedia e as minhas lembranças de infância no Jokenpô os jogadores devem simultaneamente esticar uma mão e cada um formando um símbolo e cada símbolo significa pedra, papel ou tesoura e aí os jogadores comparam os símbolos para decidir quem ganhou, da seguinte forma:


Pedra (um punho fechado) ganha da tesoura (amassando-a ou quebrando-a).

Tesoura (dois dedos esticados) ganha do papel (cortando-o).

Papel (a mão aberta) ganha da pedra (embrulhando-a).



Nas versões mais empolgadas e agressivas os oponentes tocam as mãos uns dos outros conforme a vitória, um soquinho na tesoura, um corte de dedos na mão aberta, uma segurada de punho.


Se dois jogadores fizerem o mesmo gesto ocorre um empate e aí repete até desempatar e eu lembro perfeitamente como este jogo era chato com apenas duas pessoas e passava a ser absurdamente divertido quando uma terceira pessoa aparecia, um ménage a trois infantil onde valia tudo e tudo podia menos mostrar a pedra duas vezes seguidas.


O jogo parece ser tão antigo quanto o nosso hábito de apontar os dedos para os outros e deve ter surgido quando japoneses ainda não tinham olhos puxados e atualmente tem até campeonato mundial pela associação cujo nome World Rock Paper Scissors Society é genial e imponente o suficiente para te fazer ter vontade de entrar para o time e sair disputando por aí.



No site oficial da associação existem listados os motivos pelos quais você deveria se juntar a eles:


POR QUE AMAMOS TESOURAS DE PAPEL DE PEDRA


Não há requisito de idade para jogar


Não há necessidade de levantar pesos e treinar para competir em nível profissional


Não há barreiras físicas para jogar


Ninguém é naturalmente melhor no esporte do que qualquer outra pessoa


Não há nenhuma configuração necessária para iniciar o jogo


Nenhuma limpeza é necessária após o jogo terminar


Permite uma tomada de decisão rápida


Não há preconceito de idade ou gênero


Eu acrescentaria que Jokenpô inclusive é o único jogo onde você pode disputar com um bebê e também com o Stephen Hawking e ganhar de ambos sempre, mas isto traria muita polêmica e as regras teriam de ser revistas.


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Na versão do livro do Rogério Vilela ele descreve como papel as ideias (religiões, ideologias, filosofias), tesoura é o poder (políticos, líderes religiosos, gurus intelectuais) e pedra é a grande massa, o povo.


Realmente não sei como ele desenvolve a ideia a partir daí e se por acaso eu fizer igual considere este um plágio (in)consciente, mas Jokenpô é de fato uma ótima metáfora sobre o exercício do poder.


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As ideias surgem e moldam as pedras mas as tesouras destroem ideias para ter mais poder e manter as pedras no seu devido lugar, as ideias picotadas que sobram moldam o povo contra as tesouras e de tempos em tempos o povo quebra estas tesouras e surgem novas ideias a partir do povo até o momento em que uma destas pedras se transforma em uma nova tesoura e o jogo recomeça.


Com o tempo as tesouras aprendem não mais a cortar as ideias, mas sim aparar elas para encaixar nos desejos do povo e fazer estas pedras pensarem poder ser tesouras um dia desde que sigam as novas ideias impostas, as pedras então passam a se comportar como tesouras e embora não sabendo como cortar ou moldar ideias agem como pedras que são, amassando, machucando e destruindo tudo o que veem pela frente, sejam ideias, sejam tesouras, sejam até mesmo outras pedras.


No Jokenpô social humano e político tudo se trata apenas de ter poder e manter quem está abaixo no seu devido lugar, pouco interessa se estas pedras são jogadas para a esquerda ou para a direita, desde que continuem amassando, machucando e destruindo como foram moldadas para fazer.


E tudo sempre porque o ser humano, esta pedra formada por carbono e egoísmo, na primeira oportunidade possível vai fazer de tudo para se transformar em uma tesoura.


O comportamento subversivo sistematizado e o fetiche em ser revolucionário é uma roda de egoísmo e ganância e nada mais, a pedra não está bem posicionada e vira uma questionadora e na primeiras oportunidade se encaixa no sistema e ajusta seus valores até voltar a se sentir prejudicada de novo.


E quando o poder se esvai por qualquer motivo faz de tudo para tomar ele de volta, na base da pedrada, é o ser humano nu e cru.


Pedras, papeis, tesouras, o Navio de Teseu não muda porque as peças apenas mudam de nome, somos condicionados para jogar sempre o mesmo jogo e manter sempre o mesmo barco no mesmo mar, sentamos e levantamos e sentamos novamente ao sinal de uma campainha, damos choques em outros iguais a nós se necessário, mandamos amigos para o espaço sabendo que ele não vai voltar, traímos quem está do nosso lado e somos indiferentes com quem está distante.


Algumas frases acima eu roubei do Fernando Lima porque estava com preguiça de escrever e sei que ele não se importa e logo logo outras palavras dele, muito mais leves, irão aparecer.


Mas se as desventuras espaciais dos russos desafortunados não contam tudo mas provam muito sobre traição e deslealdade podemos falar sobre a maior aventura de todos os tempos, desventuras em série para ser mais exato, com o final feliz mais estranho possível quando o navio não voltou mas todas as peças ou melhor, as pessoas, sim? E aqui mesmo no nosso planetinha?


Ernest Shackleton e seus cães tem muito a nos ensinar sobre lealdade, a qualidade mais rara dos dias de hoje.


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Cápsulas do tempo.


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No dia 15 de dezembro agora o disco The Chronic do Dr. Dre fez 25 anos e eu acho que é o disco mais importante da minha vida.


Dr Dre é para mim o maior nome da história do Rap por um motivo bem simples: O sampler.


Ele não é só um dos maiores artistas e produtores do gênero e responsável direto pelo sucesso de dezenas de artistas de Hip Hop, Rap e R&B, ele também ressuscitou dezenas de outros do Funk, Soul, Jazz e Blues, reavivando carreiras e/ou trazendo de novo qualidade de vida para cantores, músicos e instrumentistas que já estavam no ostracismo da indústria fonográfica e suas respectivas famílias.


Ele revirou catálogos, arquivos e estúdios, pressionou gravadoras e familiares e trouxe de volta um mundo muito além desse álbum.


Os samples que percorrem o disco todo e as músicas originais creditadas no encarte me fizeram ir de loja em loja em Curitiba lá pelos meus 15 anos perguntando se tinha disco do Leon Haywood, James Brown, Parliament, Funkadelic, Bill Whiters, George Clinton, Donny Hathaway, Willie Hutch, Isaac Heyes, me emociono só de lembrar.


A cultura do sampler é uma das mais subestimadas e ao mesmo tempo uma das maiores provas da genialidade humana, o valor de não-músicos e pobres da periferia reaproveitando trechos ou criando por cima de músicas que fizeram a sua infância e juventude e dando nova luz e um novo mundo a partir disso, é inestimável.


Dr Dre não é um artista, é uma instituição.


Ele não fez só por si, ele fez pelos seus, pela sua história e pelo legado imensurável da música negra norte-americana.


Fez até por mim.

E esse disco, puta que pariu viu.


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O ano encerrou com muita música de novo, Harry Styles no Allianz com a plateia nas mãos e o sonho de adolescente Pantera ao vivaço e alguns dias depois Mr. Bungle, Pantera de novo e Slipknot no Knotfest, ouvidos zunindo e joelhos rangendo, ótima maneira de me despedir de 2022.


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Hoje começa o verão, e aí eu me despeço do verão e entro em hibernação até final de março: filmes e séries e livros e ar condicionado gelado e moletom quentinho e duas toneladas de pão de queijo e pipoca, estoque de comida e adeus trânsito, diarreia, turista, buzina, gente mal-educada, lixo, poluição, carnaval, bandido, polícia, RÉDI LEIBO, GARRAFA VERMELHA DE NITRIX, carro rebaixado, JBL, Anitta, Armandinho, funk, fila, beach club, fila do beach club, sunga, silicone, lancha com churrasqueira, esqui, crocs, Chilli Beans, mojito aguado, mijo em lata, criança cagada, bóia furada, prancha de isopor, plástico, caco de vidro, chiclete, camisinha, bituca de cigarro, camarão oleoso, espiga de milho, areia no cu, futevôlei, frescobol, calcinha para o lado, esgoto, ciclista, motoboy empinando, busão, 9vinha, cabelin na régua, tiaozona, pitboy, good vibes, bad vibes, apanhador de sonhos, incenso, gaúcho, paulista, paranaense, catarinense, manezinho, paraguaio, argentino, colombiano, peruano, uruguaio, alemão, holandês, Uber, táxi, 99, Tik Tok, HPV, HIV, IPVA, GPS, postinho de saúde, blitz, waze, floripatem, floripanaotem e Cacau Menezes bróder BINGO.


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