Foto: Ayrton Cruz
Se você está aqui pela primeira vez este ensaio faz parte de um livro sendo escrito em tempo real seguindo a narrativa do fluxo de consciência, se te interessar acompanhar o processo comece pelo primeiro.
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19/09/2023
ZEUS
Zeus é paulista e eu posso provar.
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Zeus, o deus do céu e do trovão na mitologia grega, é um cara legal: usa um raio no lugar da espada e governa como rei dos deuses no Monte Olimpo.
Filho de Cronos, o deus da colheita, e Reia, a deusa mãe não só dos cinco deuses mais velhos do Olimpo (Héstia, Deméter, Hera, Poseidon e Zeus) mas também de Hades, o rei do Submundo.
Como Reia também é irmã de Cronos, o seu marido, Zeus e seus irmãos são todos uns grandes filhos de uma tia.
Talvez este seja um dos motivos por Zeus ser tão caprichoso e injuriado além de incestuoso e tarado, pois ele também casou com uma de suas irmãs, Hera, e teve com ela e outras seis esposas muitos filhos, praticamente a mitologia grega do ensino médio inteira: Apolo, Ares, Artemis, Atena, Dionísio, Eileítia, Hebe, Helena de Tróia, Hércules, Hermes, Hefesto, Minos, Perséfone, Perseu, as Caritas, as Horas, as Musas, as Moiras e, segundo a Wikipedia, vários outros ainda.
Não li com muita atenção mas se bobear transou com algumas filhas também (e se teve filhos com as filhas se tornou avô dos seus filhos), transou com deusas e semideusas, mortais e imortais, primas e irmãs, as noviças da igreja e as novinhas do baile.
Seu pai tinha o hábito de devorar seus próprios filhos para que não tomassem o seu lugar no trono até Zeus nascer e sua mãe dar para Cronos uma pedra embrulhada no seu lugar, salvando sua vida.
Reia decidiu que Zeus seria o ultimo filho e encerraria o reinado de sangue e sofrimento tomando o trono do pai.
Incrível como mitologia grega é complexa e ao mesmo tempo parece uma mistura de ata da reunião do condomínio com boletim de ocorrência de briga de carnaval com processo na vara de família e após algumas perseguições, intrigas, discussões, brigas e uma guerra que durou dez anos sobre a qual também li sem atenção, Zeus assume o trono após matar seu pai e ganhar um raio de um Ciclope e sua fama, lenda e mitologia se tornaram tão famosas que foram parar até nas páginas da Bíblia.
Zeus é mencionado duas vezes no Novo Testamento, primeiro em Atos 14:8–13:
- Quando as pessoas que viviam em Listra (na região da antiga Anatolia, atualmente Turquia) viram o apóstolo Paulo curar um homem coxo, eles consideraram Paulo e seu parceiro Barnabé (a quem chamamos de José) como deuses, identificando Paulo com Hermes (filho de Zeus Maia e o protetor dos arautos humanos, viajantes, ladrões) e Barnabé com Zeus, até mesmo tentando oferecer-lhes sacrifícios com a multidão.
E a segunda ocorrência está em Atos 28:11:
- O nome do navio em que o prisioneiro Paulo partiu da ilha de Malta trazia a figura de proa “Filhos de Zeus”.
Duas inscrições antigas descobertas em 1909 perto da cidade de Listra atestam a adoração destes dois deuses naquela cidade. Uma das inscrições refere-se aos "sacerdotes de Zeus", e a outra menciona "Hermes Maior" e "Zeus, o deus-sol".
Segundo Platão, Zeus significa "causa da vida sempre para todas as coisas", um trocadilho entre títulos alternativos de Zeus, Zen (vida, em grego) e Dia (por causa de), e mesmo sendo conhecido de todos o mimado amamentado com leite e mel quando criança, batalhador e guerreiro quando adolescente e adulto rei dos deuses no Monte Olimpo, talvez historiadores e mitólogos tenham deixado de perceber que Zeus é, antes de tudo, paulista.
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Eu sei, é uma injustiça falar isto.
Eu moro em Florianópolis e estamos no país de Fernando de Noronha, dos litorais de Rio de Janeiro e da Bahia, e ainda temos Ceará e Recife.
Temos Ilha do Mel no Paraná, Garopaba e Bombinhas em Santa Catarina, uma lista infinita de litorais para chamarmos de os mais lindos.
Mas o litoral do Estado de São Paulo é impressionante, por dezenas de motivos.
Começando por um fato histórico-geográfico: a Cidade de São Vicente no Litoral Sul do estado é cidade mais antiga do país, fundada 22 de janeiro de 1532 como a primeira vila portuguesa em terras brasileiras, apenas 60 quilômetros da atual Cidade de São Paulo.
São Vicente fica coladinha na Cidade de Praia Grande do outro lado do Mar Pequeno e divide com Santos as águas da Baía de Santos que ao lado tem o canal e estuário do Porto de Santos, o maior e mais movimentado porto da América Latina e cuja influência econômica responde por 67% do nosso Produto Interno Bruto e movimenta 60% de todo o comércio internacional do Estado de São Paulo.
No Porto de Santos absolutamente tudo faz sombra, o gigante faz secar a vista, dar câimbra no queixo e torcer o pescoço, você esquece de piscar, a boca nunca fecha e você desaprende a olhar para o chão enquanto anda. Não existe postura decente que dê conta de absorver tudo.
Subindo em direção ao Rio de Janeiro ainda temos as praias do Guarujá, Bertioga, Barra do Una, Maresias, São Sebastião, Caraguatatuba e Ubatuba até Picinguaba na divisa dos estados, intercaladas por dezenas de outras praias adas, ubas, ias, éias e avas, alternando picos e pontos de natureza extrema e bem preservada com balneários urbanos com todas as facilidades e agitos de cidades grandes como bares e boates, restaurantes e cinemas, hotéis e shopping centers.
Mas além de todas estas praias temos um mar de todas as cores e temperaturas e as ilhas, muitas ilhas.
Voltando para o sul temos em Ubatuba a Ilha Rapada e a Ilha Anchieta.
Em Caraguatatuba tem a Ilha do Tamanduá e a Ilhotes da Cocanha.
Em São Sebastião encontramos a Ilha dos Gatos, a Ilha das Couves, Ilha do Montão de Trigo e o Arquipélago de Alcatrazes e, seguindo mais um pouco, a Laje de Santos.
Se você desenhar um triângulo mental entre o Arquipélago de Alcatrazes, a Laje de Santos e a Rota dos Navios já em alto mar você tem a área que eu chamo de Praça das Gordinhas, uma região mágica por onde passam, nadam e desfilam baleias das espécies Bryde, Franca e Jubarte, estas últimas sempre em duplas, turmas, bandos e gangues, todas gordinhas absolutamente acima do peso para os nossos padrões, pois são baleias, e todas absolutamente lindas, pois são baleias.
Como desconheço se existe baleia fora de forma todas são gordelícias.
Anos atrás tive o maravilhoso e assustador privilégio de ser arrastado por dezenas delas ao mesmo tempo, como se fossem golfinhos sem noção do próprio tamanho.
Eram tantas, mas tantas, que o nosso barco chegou a se movimentar para os lados e se deslocar para a frente mesmo com o leme fixo e o motor desligado.
Simplesmente fizeram onda.
Muitas baleias durante a migração seguem os navios saindo do Porto de Santos em direção ao norte, indicando um dado maravilhoso e outro triste relacionados à esta mesma informação.
Seguindo o fluxo dos navios elas economizam energia e esforço percorrendo a coluna d'água e se estão fazendo isto é uma prova viva da adaptação, aprendizado e evolução delas e ao mesmo tempo elas sabem, de alguma forma, que está faltando comida no mar.
Mas nem tudo está perdido, muito pelo contrário, nos últimos vinte anos a população das baleias da espécie jubarte por exemplo aumentou em nada menos que seis vezes (de três mil para quase vinte mil indivíduos) mas, se está faltando comida, como a população aumentou tanto?
Simples, elas mudaram a sua dieta, ampliaram a área e tempo de migração e diversificaram os seus padrões de socialização, se aproximando muito mais das costas continentais e também dos barcos de pesca.
E como socializam.
Baleias são seres curiosos e quase todas que passam pela região todos os anos possuem nome e podem ser identificadas pelas cicatrizes por, ainda jovens, tentarem interagir com os cascos dos barcos, iguais joelhos de criança arteira. Outras já adultas insistem no hábito, usando os barcos como pontos de orientação, atitude chamadada de spy hop, ou apenas para se coçar mesmo.
Existe uma regra que ao avistar uma baleia próxima deve-se desligar o motor do barco e esperar qual direção ela irá tomar, e então ligar o motor novamente e se afastar mas, ao desligar o motor ela tente a interpretar como um convite para se aproximar e geralmente assim será, e você ficará minutos ou até horas de castigo observando um dos espetáculos mais lindos que a natureza pode te oferecer, até ela ficar entediada em ver você de boca aberta e seguir em frente.
Se antes elas passeavam pelas águas paulistas entre maio e outubro, agora já podem ser vistas em abril e algumas esticam a presença até início de dezembro, passeiam mais, brincam mais, comem mais, socializam mais, namoram mais.
Existem indícios que algumas baleias ao passar pela região costumam lembrar dos barcos e a direção tomada por eles após se despedirem e nos dias seguintes fazem a mesma rota e assumem posição de espera esperando brincar e interagir novamente.
Sabe aquele cachorro que não é de ninguém mas é de todo mundo e sempre te encontra perto do seu restaurante favorito e lembra de você? Pois é.
Talvez a Diva seja o melhor exemplo, uma Bryde gigante acostumada a simplesmente sentar do seu lado, curtir um reggae junto com os turistas e ainda tem o dom de passar cinco centímetros do barco sem arranhar, incrível como alguém tão grande consegue agir com tanta delicadeza e sutileza e dominar completamente a tensão superficial entre a água e uma embarcação.
If I stand around
And I watch them drown in a pool of gray
When we dive in
I can surely say there's feud with force
Am I in your way?
Please knock me down, can I help you in?
When I'm not around
Let us all be found in certain ways
Quando você estiver passando pelo mar do litoral paulista e avistar uma baleia, não é apenas uma baleia, você estará vendo um animal passando por um processo evolutivo dinâmico e constante em tempo real, muito além da nossa percepção estática de apostila de ensino médio de como a natureza se comporta.
E não são poucas, este ano o Projeto Happy Whale chegou ao fabuloso número de 500 baleias da espécie jubarte identificadas na região.
Por falar em triângulo logo mais abaixo ainda temos mais um formado pela Laje da Conceição, o incrível e agitado Rochedo da Alvorada e a lindíssima e assustadora ilha onde o King Kong poderia morar em paz: a Ilha da Queimada Grande ou Ilha das Cobras, cujos nomes têm origem no antigo hábito de pescadores em tocar fogo nas encostas para poder atracar e tentar caçar e coletar água, tarefa nunca concluída pois a única fonte de água doce da região é em uma caverna descoberta bem recentemente e a ilha inteira, inteirinha, é forrada de cobras.
Até mesmo a marinha brasileira acendeu umas tochas na área mas não deu resultado, a ilha e suas cobras se recuperaram e continuam lá lindas e soltas num dos muitos santuários naturais da região cuja visitação é permitida só por pesquisadores e trabalhadores credenciados, formação rochosa e sem praias e isolada durante o último período glacial onde uma das consideradas cobras mais venenosas do mundo, a jararaca ilhoa, possui não só o estranho hábito de escalar árvores mas também uma raríssima e pouco documentada mudança em sua dieta com a passagem para a vida adulta, as jovens comem anfíbios e lagartos e os adultas comem apenas aves migratórias e seus ovos, geralmente o desavisado abatobá pardo.
E claro, subindo tudo de novo em direção ao norte temos ela, Ilhabela.
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A Ilha de São Sebastião como também é conhecida é a maior ilha marítima brasileira, com quase 350 mil metros quadrados de extensão e habitada por menos de 40 mil habitantes, localizada a 212 quilômetros da capital e a 140 quilômetros da divisa com o estado do Rio de Janeiro.
Na verdade é um arquipélago de 19 ilhas onde a principal possui 60 praias em seus 150 quilômetros de costões e praias, algumas ainda selvagens e com acesso apenas por barco, sem contar as mais de 400 cachoeiras disponíveis.
Isso mesmo que você leu, quatro-cen-tas* cachoeiras de todos os tamanhos, volumes, cursos e humores e é por isto, por tantas águas, terras e vistas que os moradores mais velhos da ilha costumam dizer que precisariam nascer e reencarnar várias vezes para poder conhecer ela inteira.
Outra informação maravilhosa: o lado voltado para o continente é urbanizado e populoso com praias calmas e badaladas e o lado de frente para o oceano aberto é pouco habitado, a sua maioria na Praia de Castelhanos, a única com acesso por carro, e somente carros reforçados como jipes e outros 4X4. Se você quiser conhecer as outras praias (e recomendo que você conheça todas, incluindo nas suas próximas reencarnações) vai ser somente pelas trilhas ou de barco (e recomendo ambas as opções para cada praia visitada). Um dia você caminha e passa por uma ou algumas das cachoeiras, costões, trilhas e matas densas com telhados de copas de árvores gigantes e no outro você navega por águas que mudam de cor ao longo do dia, da estação, do ano.
Mas tem mais, a ilha mesmo sendo naturalmente ao nível do mar possui sete picos acima da altitude da Cidade de São Paulo (que é 760 metros) e acima de mil metros, sendo os três maiores o Pico de São Sebastião (com 1379 metros de altitude), o Morro do Papagaio (1302 metros) e o Morro da Serraria (1285 metros), todos com praticamente o dobro da altura do famosíssimo Corcovado do Cristo Redentor no Rio de Janeiro (710 metros).
Tem mais ainda, no lado continental na frente da Praia das Pedras Miúdas está a Ilha das Cabras, uma ilha particular que logo ser tornará parque e museu e em cujo mar se encontram uma estátua de Netuno submersa e um peixinho de nome Chico que não só virá ao seu encontro e te levará até lá como também será o seu guia, companhia e ainda pedirá carinho durante todo o seu mergulho, e fará de tudo para te atrapalhar e as suas fotos se você se interessar por outros peixes.
Chico pensa que é cachorro, e se comporta como tal.
Ainda na área continental você encontra a Praia do Perequê e a escultura (praticamente um santuário) do lendário Pipoca, uma jubarte adolescente do sexo masculino e que em 2018 passou pela região, saltou nada menos que 34 vezes e nunca mais voltou.
Aliás você já se perguntou por quê as baleias saltam? Eu te conto.
O barulho do salto na água dispersa melhor a comunicação entre elas em uma distância maior e em diversas direções, alertando ameaças de predadores, por estarem chateadas ou para chamar a atenção de outros indivíduos e grupos, e também uma forma dos machos da espécie chamar atenção das fêmeas.
É de se perguntar quão gostosa era a baleia que o Pipoca encontrou aquele dia, mas talvez Pipoca ainda seja um Roaming Romeo cheio das Julllietes porque ainda neste ano de 2023, e cinco anos depois de aparecer no litoral paulista, foi visto novamente e obviamente saltitando no litoral de Vitória no Estado do Espírito Santo.
Como pipoca que é, quando as coisas esquentam ele pura fora.
E por falar em cachorro, se você tem medo de mordida de pitbull você nunca foi mordido pelos borrachudos de Ilhabela, e eles atacam em nuvem, enxame, matilha, manada, não sei qual o coletivo de borrachudo e nem se são parentes dos mosquitos, das abelhas, das vespas, dos vampiros ou dos xenomorfos ou se andam de canivete no bolso para te atacar, mas eles atacam, durante o dia e em horário comercial.
Se a natureza não pede licença, os borrachudos passam pela sua sala e chegam na cozinha já abrindo a geladeira.
Conselho: nem leve repelente, não vai funcionar, os borrachudos são viciados e já criaram a repelentolândia que se espalhou pela ilha em todas as fontes luminosas em todas as esquinas, passe longe.
No lado do oceano ainda tem a Ilha da Serraria, a Ilha de Búzios e a Ilha da Vitória e dos Pescadores com a sede da misteriosa Irmandade Bentofernandina, uma lembrança de que nem toda informação se encontra na internet.
O mar de Ilhabela ainda guarda quase duas dezenas de grandes naufrágios e suas histórias de mortes e resgates, traumas e superações, histórias vivas e cápsulas do tempo em que navegaram como o cargueiro americano Elihu Washburne, da impressionante classe Liberty Ships, navios com 130 metros de comprimento construídos em questão de dias como esforço de manter a balança comercial de transporte de alimentos e mercadorias nos oceanos em plena Segunda Guerra Mundial.
Vindo de Lourenço Marques (hoje Maputo, capital de Moçambique na África) e fazendo escala em Santos de onde embarcou com café destinado aos Estados Unidos, mas antes de passar pelo Rio de Janeiro foi atingido por um torpedo lançado pelo submarino nazista U-513, no dia 03 de Julho de 1943.
Felizmente toda a tripulação se salvou e recentemente mergulhadores afirmaram ter encontrado o navio entre a Ilha de Alcatrazes e a Laje de Santos (uma localização difícil para mergulho, mar agitado sem possibilidade de ancoragem) com duas metralhadoras antiaéreas na proa, armado para a guerra.
Foi torpedeado pelo mesmo U-513 após afundado na costa brasileira nas imediações de São Francisco do Sul no Estado de Santa Catarina em 19 de julho de 1943, quase um ano após a entrada do Brasil na guerra, motivado pelas mortes de mais de 600 brasileiros nos cinco navios torpedeados por outro submarino alemão que assombrava a costa brasileira no período, o U-507, e pouco mais de um ano antes de enviarmos nossos soldados para a Europa.
Também está nas águas da região o Navio Campos, antigo Asuncion e construído em 1895, o azarado e único navio torpedeado pelo também submarino alemão U-170, em 23 de outubro de 1943.
Próximo de Ilhabela tenta repousar em paz o impressionante e na minha opinião muito pouco falado Príncipe das Astúrias, navio comercial quase do mesmo tamanho e capacidade do famosíssimo Titanic e construído quase na mesma época, no mesmo estaleiro e por praticamente os mesmos profissionais, vindo da Espanha com destino Buenos Aires, passando pelo Brasil.
Naufragou em 05 de Março de 1916 e oficialmente 143 pessoas sobreviveram e 445 morreram, embora existam cerca de 900 outros corpos enterrados nas praias de Castelhanos e da Caveira, em sua maioria imigrantes clandestinos espremidos nos porões do navio, fugindo da Europa em plena Primeira Guerra Mundial.
Ao bater nas pedras perto da Ponta da Pirabura o choque e a explosão de uma das caldeiras partiu o navio em três partes que afundaram em apenas cinco minutos, sem tempo dos tripulantes soltarem os botes salva-vidas ou pedirem socorro, causando tragédias como o pai que jogou o filho de três anos na água e mergulhou em sua direção para salvá-lo e só quando chegou em uma praia percebeu ter na verdade resgatado uma criança de outra família que não sobreviveu.
Apesar de pouco falado muito se conta sobre sobre os momentos antes da tragédia, como as misteriosas (e confirmadas) coordenadas recebidas pelo comandante do navio José Lotina na noite anterior, indicando horário e ponto no mar entre Ilhabela e a Ilha de Búzios, noite em que encontrou outro barco e para o qual, conta-se, 11 toneladas de ouro e muito dinheiro foram transferidos e após estes momentos existem poucos registros confiáveis da presença do comandante no momento do naufrágio.
Alguns relatos dizem que o ouro e o dinheiro seriam para a abertura de um banco em Buenos Aires e outros acreditam que era roubo combinado como pagamento por uma remessa de escravos brancos europeus (muito comum no Brasil após a abolição dos escravos de origem africana até a década de 40) sob a responsabilidade de José Lotina, o qual teria sido denunciado e seria preso ao chegar em Santos mas, sendo informado antes, fugiu em um plano de emergência delegando o controle da embarcação para o seu imediato, inexperiente e navegando em um trecho e horário não recomendados para um navio daquele porte.
Sobreviventes citaram supostas testemunhas narrando terem visto ele e seu imediato cometendo suicídio na proa segundos após a explosão da caldeira, outros narraram o capitão desaparecendo tentando soltar um bote salva-vidas mas muitos outros (e mais confiáveis) relatos apenas indicam não terem mais percebido a sua presença desde a noite anterior.
É fato que seu corpo nunca foi encontrado, reforçando a suspeita do naufrágio ter sido proposital e justificando o sumiço do tesouro, embora o plano inicial teria sido afundá-lo no Mar del Plata argentino, onde as águas calmas causariam muito menos mortes de pessoas inocentes.
Netos de sobreviventes acreditam que o ouro ainda possa estar enterrado na ilha mas investigadores apontam mais a possibilidade de José Lotina e alguns comparsas terem de fato fugido na noite anterior ao naufrágio em outra embarcação, perdendo alguns quilos e notas de dólar para pagar o silêncio e falsos testemunhos por onde passaram até sumirem de vez.
Eu sei, Jack e Rose e Leonardo DiCaprio e Kate Winslet são mais fotogênicos mas este naufrágio renderia um filmaço, e eu torceria por ver o Kevin Spacey fazer o papel do capitão José Lotina, literalmente um Keyser Söze dos mares.
Florianópolis se desenvolveu de um jeito estranho, 30 anos atrás só tínhamos três cinemas, agora temos 30 cinemas passando os mesmos três filmes.
A paisagem urbana antes era só posto de gasolina, igrejas e lanchonetes com nomes de gírias de maconheiro como "Laricão" e "Prensadão" e agora só tem estúdio de tatuagem, barbearia VIP e farmácias, um carro para cada dois habitantes, duas hamburguerias para cada habitante, todo mundo que tem carro está fazendo uber e já temos mais food parks que condomínios.
Conclusão: Ninguém mais anda a pé, está todo mundo ficando gordo, fazendo barba em salão e tomando chopp de perninhas cruzadas, tarja preta já virou suplemento, ninguém mais passa fome e todo mundo agora dorme em um estacionamento.
Mas Ilhabela ainda mantém tudo o que Floripa deixou de ser.
Claro, nem tudo são flores, como qualquer cidade turística e litorânea no país Ilhabela é um paraíso o ano inteiro, um purgatório nos feriados e o inferno absoluto no verão.
O dia que você encarar cinco horas de fila na balsa com o carro do lado tocando funk e sertanejo, chegar na praia e encontrar o mesmo pessoal ouvindo a mesma desgraça em uma caixa JBL em plena areia, você vai me entender e pensar se os borrachudos não seriam anjos com a missão de afastar estas pessoas de você.
Praias e mais praias, ilhas e mais ilhas, golfinhos e baleias e mais golfinhos e baleias, cobras e lagartos e mais cobras e lagartos, barcos e navios e mais barcos e navios, naufrágios e mais naufrágios, histórias e causos e mais histórias e causos fazem do litoral paulista uma mitologia em si onde habita (ou ao menos aluga um apartamento o ano inteiro) ele, Zeus, presença constante e pontual quase todos os fins de tarde trazendo rotineiras e de certa forma sempre inesperadas chuvas de verão em pleno inverno e de troco arco-íris para alegrar um céu sempre e rotineiramente majestoso, .
A minha primeira viagem pós-pandemia foi voltar a mergulhar em Ilhabela e tivemos uma grande surra de natureza, você começa o dia fazendo sanduíche para levar e volta assado, arranhado, enrugado, cansado e com o teu corpo implorando por mais sanduíche, um banho quente e uma cama na mesma temperatura.
Mas antes disso, Zeus passa pelo seu caminho ou melhor, você passa pelo caminho dele, que faz questão de esfregar isto na sua cara.
Primeiro ele manda o Poseidon, o seu irmão (ir)responsável pelos mares e rios e parceiro de tempestades, que te avisa mudando a cor e o humor da água, depois o raio em pessoa chega te avisando que é tarde demais.
Estávamos voltando de Alcatrazes para Ilhabela perto das 16 horas quando o céu escureceu progressivamente de tonalidade e a cor passando de azul celeste (obviamente) até a mais completa escuridão quando até a água do mar parece preta e então ele, Zeus, apontou o dedo para nós.
Não nos acertou porque obviamente não quis mas foram chuto eu perto de 30 rajadas em pleno mar, espaçadas por segundos e regularmente lançadas, com décimos de segundo de tempo entre a luz e o som, cegando a vista e castigando a audição e não te dando tempo de decidir entre esfregar os olhos e tapar os ouvidos e nem mesmo de piscar, simplesmente alucinantes e ensurdecedoras.
Quem está na chuva é para se molhar e quem está no mar só resta navegar, ciente disso decidi registrar o momento e fotografar e foram 17 tentativas até conseguir fixar um raio, Zeus é tão arredio quanto exibido e foge dos seus flashs porque ele mesmo é o flash.
Zeus nunca é convidado e faz a festa ser sobre ele, sempre entra com honras, na mesa senta na frente, no trem senta na janelinha e no céu senta na melhor nuvem.
Zeus é padrasto mas não é pai e se Deus é mineiro, Zeus definitivamente é paulista.
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E por falar em 17, este é um número muito estranho, vamos falar sobre ele.
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*Eu sei que é qua-tro-cen-tas mas achei quatro-cen-tas mais dramático.
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Cápsulas do tempo.
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Meus exames de câncer de mama estão ok mas agora a Unimed está me mandando mensagem perguntando como estão as minhas cólicas e no Instagram também estou recebendo propaganda de um massageador especial para cólicas.
Eu sei que vivo de TPM mas porra pessoal, eu tô de boa, obrigado.
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