Foto: Ayrton Cruz
Se você está aqui pela primeira vez este ensaio faz parte de um livro sendo escrito em tempo real seguindo a narrativa do fluxo de consciência, se te interessar acompanhar o processo comece pelo primeiro.
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11/12/2023
FUGAZI
Um amigo é um amigo enfim, uma vírgula é uma vírgula de fato.
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Got with the program,
Swallowed it whole,
Sugar made it easy,
Ice made it cold.
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O inglês tem uma certa magia na praticidade, e outra frase/expressão/provérbio da língua inglesa não só provar isto como é tudo o que precisamos saber sobre amizade e o poder da vírgula.
Você sabe, uma vírgula, mal colocada, irrita muito e, pode, mudar, tudo.
E o amigo certo na hora certa faz toda a diferença.
Na sua tradução mais literal a frase-tema da escultura de Henry Church, "A Friend in Need Is a Friend Indeed", se torna apenas "um amigo na necessidade é um amigo de verdade" mas assim indica duas opções e uma reflexão que roubei e adaptei do pesquisador e escritor Gary Martin:
Em primeiro lugar, é uma amizade “de fato” (sem dúvida) ou “de fato” (demonstrada pelas ações de alguém)?
Em segundo lugar, é “um amigo (quando você está) necessitado” ou “um amigo (que está) necessitado”?
No primeiro caso então a frase significa: Alguém que o ajuda quando você precisa é um verdadeiro amigo.
No segundo seria então: Alguém que precisa da sua ajuda torna-se especialmente amigável para conseguir.
Então estas duas dúvidas somadas à liberdade da língua e das vírgulas abrem quatro opções:
1 - A friend, (when you are) in need, is indeed a true friend. ('indeed') ou seja: um amigo (quando você está) necessitado, é realmente um verdadeiro amigo (de fato).
2 - A friend, (when you are) in need, is someone who is prepared to act to show it (in deed) ou: um amigo, (quando você está) necessitado, é alguém que está preparado para agir para demonstrar isso (de fato).
3 - A friend, (who is) in need, is (indeed) inclined to stress their frienship in order to obtain your help, então: um amigo (que está) necessitado está (de fato) inclinado a enfatizar sua amizade para obter sua ajuda.
4 - A friend, (who is) in need, is someone who is (in deed) prepared to act to show their frienship and so obtain your help, em outras palavras: um amigo, (que está) necessitado, é alguém que está de fato preparado para agir e mostrar sua amizade e assim obter sua ajuda.
Uma versão deste provérbio já era conhecida cerca de 300 anos depois de Cristo:
- Amicus certus in re incerta cernitur.
Ou traduzindo do latim:
- Um amigo seguro é reconhecido quando está em dificuldade.
Também existe uma conhecida versão de 1489, num charmosíssimo e provavelmente desdentado inglês medieval:
- It is sayd, that at the nede the frende is knowen.
Que se traduz como:
- Assim se diz, que na necessidade a amizade é conhecida.
De certa forma aglutinando todas as reflexões e versões acima.
Outra fonte do século XVI é William Shakespeare no soneto "As it fell upon a day" publicado na coleção de sonetos The Passionate Pilgrim de 1599, frase tão charmosa quanto a anterior, incluindo a ; que eu ainda não aprendi a usar direito por aqui:
He that is thy friend indeed,
He will help thee in thy need;
Significando:
- Um amigo de fato é alguém que está preparado para te ajudar quando você precisar.
No fim este pequeno e prático estudo da língua reduz o tema da amizade pouco além do óbvio, pessoas não devem ser analisadas pelas palavras, mas por suas ações.
Ações, expressões e praticidade que o exército norteamericano é definitivamente campeão, mesmo, ou principalmente, por causa de lições amargamente aprendidas no pior erro político-miltar da história dos Estados Unidos, um exército especialista em criar gírias e siglas para definir situações de batalha ou guerra que depois passam a fazer parte da vida civil e cultura popular.
Exemplos:
FUBU (Fucked/fouled Up Beyond all Understanding)
SNAFU (Situation Normal: All Fucked Up)
SUSFU (Situation Unchanged: Still Fucked Up)
TARFU (Totally And Royally Fucked Up or Things Are Really Fucked Up)
FUBAR (Fucked Up Beyond All Recognition)
E mais recentemente, em tempos de drones com bombas no ar:
TARFU (Totally and Royally Fucked Up)
De maneira geral se tiver FU na sigla automaticamente não precisa de tradução e qualquer um pode entender, deduzir ou imaginar perfeitamente o significado, mas a história de uma palavra em especial sempre me chamou a atenção: Fugazi.
A palavra original tem três significados de duas origens e duas nacionalidades diferentes.
Duas expressões de origem italiana:
Fugace- fugaz ou impermanente, mas também falso e de pouca durabilidade.
Fucazzo - uma merda, porcaria, de pouco valor.
E uma expressão de origem francesa:
Flame Fougasse - uma mistura de morteiro improvisado com líquido inflamável (parecido com o Coquetel Molotov) ou também sinônimo de campo minado.
E aqui chegamos num ponto interessante.
Ao contrário das siglas acima, que são acrônimos formados pelas iniciais de cada palavra da expressão, a palavra Fugazi é um bacrônimo (do inglês "back" = "para trás + "acronym" = "acrônimo") ou seja, uma expressão cujas palavras surgiram depois para se encaixar na palavra original, tornando-se FUGAZI ou F.U.G.A.Z.I. e as palavras são: Fucked Up, Got Ambushed, Zipped In.
Em bom português: Fudido, emboscado, ensacado.
Como ou quando exatamente essa expressão se originou a partir da palavra original não é conhecido, mas nenhuma expressão resume tão bem uma guerra desesperadora e inútil, refletindo exatamente o estado de espírito, o pouco valor humano e o provável destino de quem era convocado para lutar nela: viajar, lutar, morrer, voltar.
Não havia romance, nacionalismo, sentimento de urgência ou defesa ou chance de carreira justificáveis.
Jornalistas e correspondentes de guerra norteamericanos passaram a adotar esse termo informalmente quando descobriram o governo dos EUA tentando camuflar o impacto do número de mortos ao exigir dos comandantes o transporte de volta para os Estados Unidos com dois soldados mortos amontoados em cada saco ou caixão.
Pois é, quando a contagem de mortos é feita pelos que matam ou mandam matar (ou pelo menos por quem controla a informação) o número total de mortos é sempre inferior.
Mas agora o exército norteamericano (que sempre soube dominar muito bem as narrativas em toda a sua história) tinha de lidar com uma expressão que não só definiria perfeitamente a situação real da guerra como ainda a denunciava.
E como pontuou bem George Orwell em uma das suas frases mais famosas:
- Jornalismo é publicar aquilo que alguém não quer que se publique. Todo o resto é publicidade.
A Guerra do Vietnam foi a confirmação de uma era onde os políticos não prometiam mais realizar sonhos, mas nos empurrar pesadelos e depois prometer supostamente nos livrar deles.
Foi o ponto de virada social na geopolítica no século passado, escancarando a era do terror descolando e distanciando de vez o estado e as elites das pessoas comuns, sejam elas soldados ou não.
Foi o fim da inocência, e este era o lado rico da história.
A Guerra do Vietnam foi a guerra das lágrimas, da lama, do fogo, do napalm, dos mosquitos, das emboscadas, das trincheiras, das armadilhas e torturas, das encenações para a TV, da pobreza, da invalidez, do trauma, da morte, da vergonha.
Foi a guerra dos Be-Ins, protestos civis no Central Park de Nova York quando milhares de pessoas deitavam e então lançavam milhares de balões pretos e brancos simbolizando os mortos e os que ainda não haviam morrido na guerra.
A Guerra do Vietnam escancarou experimentos humanos da CIA, fez soldados e famílias de cobaia, jogou o país na subversão e contracultura e por consequência na infinita e inútil guerra às drogas e de troco ainda deu ao mundo uma recessão econômica através do vergonhosíssimo Choque Nixon de 15 de agosto de 1971, quando o José Sarney dos EUA (ou seria Fernando Collor?) anunciou o maior e mais cara de pau de todos os calotes da história desde quando o dinheiro passou a pertencer ao estado.
A Guerra do Vietnam foi a guerra do maravilhoso e assustador avião Boeing B-52 Stratofortress e do assustador e maravilhoso helicóptero Bell UH-1 Iroquois, o famoso Huey, verdadeiros passarinhos do primeiro mundo em literais revoadas quase única e exclusivamente para despejar milhões e milhões de toneladas de bombas e balas de metralhadora na queda de braço mais ridícula da história entre grandes nações.
A Guerra do Vietnam foi também a guerra da sensacional Trilha Ho Chi Min, um dos maiores triunfos militares de todos os tempos e um dos maiores exemplos comunitários de resistência e resiliência de vidas humanas castigadas.
A Guerra do Vietnam, a mais vergonhosa das Guerras por Procuração e com toda certeza a mais complexa e a maior ressaca da história da Guerra Fria, tornando impossível entender sem ler sobre os 100 anos anteriores da história do Vietnam, incluindo os anos da ocupação francesa, a primeira e segunda guerras mundiais e a guerra fria em si.
Mas talvez seja desnecessário falar, ou tentar falar sobre, pois se existe um fato é o quanto ela mesma foi desnecessária, cruel e desumana sob qualquer ponto de vista.
A Guerra do Vietnam foi também a mais fotografada, a mais cantada, a mais filmada e a mais encenada de todas e nos deu alguns dos maiores filmes e muitas das mais lindas músicas da cultura ocidental, ironicamente filmes e músicas que não nos permite escapar da realidade, mas esfregam ela na nossa cara, uma lista tão preciosa e grande que prefiro nem começar a tentar escrever algo do tipo.
Óbvio, se pudéssemos jamais trocaríamos a morte de milhares de pessoas por algumas canções e alguns filmes, por mais lindos que eles possam ser e por mais que façam parte da nossa vida, mas é exatamente disto que se trata a função da arte não?
Em momentos da história humana onde não se consegue diferenciar o teatro da realidade a arte faz lembrar e renascer.
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Se bebês pelados conseguem ser polêmicos e vistos com maldade também podemos falar de coisas mais polêmicas e maldosas ainda como enganar cem mil pessoas ao mesmo tempo, absorventes usados jogados na cara da plateia e qual é o melhor disco do universo da melhor banda do universo.
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Em 1993 a banda Nirvana fez apenas dois shows no Brasil, ambos nas duas edições do festival Hollywood Rock, no Estádio do Morumbi em São Paulo no dia 16 de Janeiro e outro na Praça da Apoteose no Rio de Janeiro no dia 23 de Janeiro.
Eles simplesmente odiaram, tocar para mais de 100 mil pessoas em um festival não era nem um pouco agradável para uma banda com apenas baixo, guitarra e bateria em um palco onde caberiam outras dezenas de músicos.
Odiaram também saber que o festival era patrocinado por uma de marca de cigarros e mesmo assim o ingresso era caro, que a plateia ficava longe da banda e não havia bandas underground locais no line up, tudo fofoca de pé do ouvido do João Gordo dos Ratos de Porão.
E pra melhorar (piorar) o line up das duas noites era: Dr. Sin, Engenheiros do Hawaii, L7 e Nirvana.
Como o contrato obrigava a banda a tocar pelo menos 40 minutos para não perder o cachê e ainda tomar uma multa da organização do festival os três subiram no palco em São Paulo e ficaram uma hora sendo a pior banda de garagem da história, tocando músicas pela metade ou apenas introduções de outras fora do tom, fora do ritmo e as piores covers incompletas possíveis sem nenhum tipo de ordem ou sentido.
De longe o melhor (pior) momento pra mim é quando o Dave Ghrol começa a tocar a introdução de "Sunday Bloody Sunday" do U2 e nisso o Kurt Cobain mete a guitarra de "Run to the Hills" do Iron Maiden por cima, nunca saberemos se ele se confundiu, se fez de deboche ou se apenas achou ambas parecidas e não sabia a guitarra da música do U2 e isto deixa tudo mais divertido ainda.
E claro, enganar e fazer 100 mil pessoas se arrependerem de comprar um ingresso é factualmente uma vitória.
Quase uma semana depois o esporro dos empresários teve algum efeito e a banda fez um show relativamente decente na capital carioca (pelo menos terminando todas as músicas) mas ainda assim Cobain vestiu-se de mulher, cuspiu inúmeras vezes nas câmeras da Rede Globo que transmitia o festival ao vivo, fez gestos obscenos, simulou se masturbar e foi embora do palco engatinhando.
A emissora tirou a transmissão ao vivo e colocou a reprise da apresentação do Dr. Sin para preencher a grade de horário, mas a pressão e o assédio geral sobre a banda foram tão grandes que os shows seguintes da turnê pela América do Sul no Chile e na Colômbia foram cancelados e pouco mais de um ano depois desses shows no Brasil a banda já estava na turnê do álbum seguinte, In Utero, cancelando também uma sequência de apresentações e logo veio o fim de tudo com o suicídio do Kurt Cobain.
Menção honrosa também para o show da banda na Argentina um ano antes com a banda afiadíssima e mais debochada ainda, fingindo tocar a maldição Smells Like Teen Spirit duas vezes e enganar a plateia e com o Kurt fingindo esquecer da letra em quase todas as músicas.
Se Punk é deboche e debochar da própria plateia é o auge do Punk, Kurt Cobain foi o maior Punk de todos.
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Mas Nirvana não é a melhor banda do universo e Nevermind não é o melhor disco do universo, este pódio é do Fugazi e do disco Steady Diet of Nothing, lançado alguns meses antes no mesmo ano de 1991.
Melhor disco do universo da melhor banda do universo.
E com toda certeza a banda com mais groove da história do Hardcore.
Possivelmente a melhor introdução e o melhor encerramento de um álbum da história do rock, do zum zum de caixote de abelha de Gibson SG na música de abertura (Exit Only) até o famoso final de música todo-mundo-junto-agora da última (KYEO), não tem um segundo desse disco que eu não saiba decorado.
Mais uma daquelas bandas daquela lista infinita de bandas que deveriam ter feito sucesso nos anos 90, coloco para ouvir no carro e saio dirigindo até ele acabar, coloco de novo e faço o caminho de volta pra casa.
Diz a lenda que no Hollywood Rock de 93 algumas pessoas pagaram ingresso só pra ver o Ian Mackaye de perto, guitarrista e vocalista da banda, na fila do gargarejo.
Mas nem Ian Mackaye e nem Fugazi se apresentaram no festival, ele estava apenas acompanhando como técnico da banda da sua namorada e baixista do L7 que tocaria antes do Nirvana nas duas noites no Brasil.
Conta-se que quando ele aparecia no palco o pessoal do gargarejo pedia pra ele tocar alguma música do Fugazi e ele saía correndo.
Mas olha como a internet é um poço de maravilhas, a própria baixista do L7 postou no seu canal do YouTube a passagem de som da banda antes do show com o próprio Ian Mackaye tocando "Pretend That We're Dead", a faixa mais famosa delas e já na hora do show elas se esbaldaram, falaram em português ("vocês saum leeeumdos riuo" e "this is perfeito"), entenderam perfeitamente o coro da plateia ("buceta, buceta"/"yeah pussy, pussy"), tocaram até samba com guitarra de Enter Sandman do Metallica e com certeza tiveram uma das melhores plateias e um dos melhores momentos da história da banda.
E como a internet também é um poço de maravilhas não tão exatamente maravilhosas, um ano antes do Hollywood Rock a banda L7 trocou xingamentos com a plateia no Festival de Reading na Inglaterra por causa de problemas com o som, onde no seu melhor (pior) momento a vocalista Donita Sparks arrancou o seu absorvente usado e jogou na plateia e claro, eu sei que você vai procurar, clicar e assistir.
Como elas mesmas bem pontuaram: Eles jogaram lama na gente, nós jogamos sangue neles.
Muito mais Punk que Kurt Cobain, esse nem sequer menstruava pra começo de conversa.
Ian Mackaye por sua vez odeia saber mas ele é de fato um ídolo do Hardcore, quem começou a vida com Teen Idles e tem Minor Threat e uma discografia como a do Fugazi tem currículo eterno carimbado na história da música e ele também deu a maior e mais simples definição sobre o Brasil.
Sim, o seu país:
- O Brasil é o país dos paradoxos: o mais feio e o mais bonito, o mais rico e o mais pobre, o mais cruel e o mais alegre.
Um ano após o festival o próprio Ian voltou para o Brasil com a sua banda e fizeram uma turnê de carro pelo país quando passaram por Curitiba e lá fui eu. Fiquei o show inteiro chamando o Ian Mackaye de filho da puta, e ele entendeu (gringo sempre aprende primeiro os nossos palavrões), mas ele não sabia que eu quando estou feliz eu xingo, xingo muito.
Aliás o clube dos cinco estava todo lá: Eu, Dawson, Marlon, Zé e Alessandro Santa Cruz, o gordo/ex-gordo/gordo/ex-gordo que na época do show estava gordo de novo e mesmo assim foi o campeão de stage dive da noite e eu o salva-vidas condecorado pois sabe como é, a friend in need is a friend indeed, quando você salva um amigo de um stage dive errado, é um contrato pro resto da vida.
Conheci todos eles na primeira vez que fugi para Curitiba quase cinco anos antes em uma terça de manhã andar de skate quando fui na pista do Parque Ambiental II e pedi para o Alessandro passar o dia com eles e ele disse que só aconteceria se eu cumprisse três provas: Um ollie flip parado (acertei), um kick ollie flip parado (acertei) e ir almoçar com eles perto do Passeio Público.
Aceitei, no caminho os quatro me deram uma surra e me jogaram no lago com aquele monte de peixe laranja que esqueci o nome, com skate e tudo e me deixaram lá, foram embora rindo e eu fiquei umas três horas no sol chorando e secando as roupas e as lágrimas e o meu skate e a minha passagem de ônibus e poder voltar para casa no fim do dia, fudido, emboscado e encharcado.
Passei a quarta-feira toda choramingando de raiva e rancor e na quinta de manhã lá estava eu de novo no mesmo lugar, encontrei eles e então fui adotado e enfim me senti como um cristão em areias cristãs.
Não sem lutar, tentaram me jogar na água de novo mas reagi igual um helicóptero abatido caindo, socando, estapeando e chutando o ar com mãos, pés e pás sem acertar nada nem ninguém mas passando uma mensagem clara de que seria difícil daquele dia em diante.
Fomos todos presos algumas vezes na época em que ser preso ainda era algo romântico e divertido de se fazer na adolescência e como eu era o único não morador de Curitiba ficava sempre preso até um delegado aparecer e pedir para algum policial "levar o filho da puta na rodoviária" e dependendo do humor e da delegacia além da carona eu ouvia conselhos inúteis.
Na primeira vez que isto aconteceu o policial tinha tempo, paciência e dinheiro o suficiente para sentar comigo na lanchonete da rodoviária e me pagar um x-salada e Coca-Cola e foi quando pela primeira vez na vida eu conheci a dupla dinâmica dos lanches ruins: ketchup e mostarda amarela. Tinha gosto de vitória e liberdade.
E assim foram todas as terças e quintas que consegui fugir de casa e ser feliz* e o Hip Hop foi o primeiro estilo de música a fazer parte da minha vida quando eu percebi que eu era uma peça de algo maior.
A galera do skate, minha primeira galera, meu time, meu bando, minha turma.
Nunca vou esquecer chegar na casa do Dawson e ele pegar um disco com dois negão** na capa, o primeiro disco do Public Enemy, e dizer, ouve isso:
This style seems wild
Wait before you treat me like a stepchild
Let me tell you why they got me on file
'Cause I give you what you lack, come right and exact
Our status is the saddest so I care where you at, black
Desde este dia o Hip Hop sempre esteve presente, na casa de alguém, na rampa de não sei quem, ou montando skate na lojinha do shopping pra ganhar um troco.
E depois competir e ganhar de prêmio o skate que eu mesmo tinha montado.
E fugir de skinhead de noite subindo em árvore perto do cemitério.
E dar uma surra em bando no Chorão (R.I.P. cuzão) que vinha lá de Santos arrumar encrenca em campeonato.
DUAS VEZES.
E subornar o guardinha do supermercado com salgadinho e refrigerante e andar no estacionamento.
E jogar alguém no lago, junto com o skate.
E dormir no banco da praça da pista, acordar de madrugada e andar mais de skate.
Perder aposta por beber Pepsi transparente.
E invadir prédios ou fechar alguma rua com cavalete roubado da prefeitura e fazer todas as manobras possíveis até a polícia chegar e dependendo do dia e da sorte, apanhar ou ganhar sanduíche. E Coca-cola.
E enfiar cabelo no sanduíche das lanchonetes das Loja Mesbla e fazer escândalo para não precisar pagar (devo ter ficado careca assim mesmo) e ganhar mais um sanduíche.
Quanta história, quanta saudades, tenho um buraco na testa até hoje como troféu.
Skate pra sempre.
O skatista briga e faz as pazes com a cidade o tempo todo, um eterno jogo de ferir e ser ferido, apanhar e surrar até acertar a manobra e recomeçar: pele, concreto, sangue, corrimão, suor, asfalto, lágrima, sorriso, meio fio.
Uma estranha simbiose destrutiva para ambos e ao mesmo tempo uma codependência inexplicável, a cidade precisa do skatista, o skatista precisa da cidade, entre tapas e beijos, cacos e feridas.
Depois de viver o skate a rua nunca mais é a mesma aos seus olhos: Prédios, calçadas, escadas e corrimões, todos foram feitos e pensados para o skatista arranhar, deslizar, pular e quebrar.
E o Hip Hop é a trilha.
Mas o Hardcore também, na virada dos anos 80/90 todos andavam juntos e daí para conhecer Bad Brains, Agent Orange, Dead Kennedys, Wu Tang Clan, Beastie Boys, Suicidal Tendencies e Fugazi foi um pulinho e ter este show na nossa história foi um presente da vida.
A capa do disco Steady Diet of Nothing não é nenhum bebê pelado, parece mais a capa de um single do The Smiths mostrando um adolescente que parece estar muito bem vestido na entrada de algum banheiro de algum clube underground em algum lugar do mundo, com o olhar ansioso típico de um adolescente homem rezando para a sua namoradinha não falar que está menstruada e um topete indicando ele mesmo ser um fã de The Smiths.
E apesar de ter sido lançado em julho de 1991 este disco só entrou no meu radar auditivo em 1993 e me fisgou tal qual o anzol e a nota de um dólar não fisgou o Spencer.
Agora sim, não preciso de monstrinhos nem múmias, nem de bebês pelados, nem de medalhões satânicos, posso ouvir o dia inteiro o disco do menino estranho encostado na entrada de um banheiro.
E por falar em The Smiths e topete nesta época eu não só tinha cabelos como me esforçava para ter um topete, depois da fase metal moicano imitando o Phil Anselmo do Pantera meu sonho passou a ser parecer igual ao Morrissey ou que pelo menos meu cabelo ficasse em pé igual o dele.
Sabe como é adolescente, uma hora está louvando o diabo, em outra está chutando canelas e em outra está com dor de cotovelo morrendo de raiva, de amores, de ansiedade e mesmo depois de envelhecer algumas coisas parecem não mudar: Eu morro pelo Nirvana, e mato pelo Fugazi.
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E por falar em Ian Mackeye, Minor Threat, Fugazi, Smiths, canelas, dores de cotovelo e amizades, o próprio Ian tem a letra definitiva sobre deixar de ser adolescente e a vida seguir adiante, não à toa a música se chama Look Back and Laugh, da sua banda anterior, Minor Threat:
I want to tell you a little story
'Cause it makes me warm inside
It's about some friends growing up
And all the things they tried
I'm not talking about staple shit
They went for something more
I guess it was too much dreaming
Too much to hope for
One day something funny happened
But it scared the shit out of me
Their heads went in different directions
And their friendship ceased to be
É a grande magia da vida e da ilusão adolescente que faz você se sentir único e ao mesmo tempo incluído em um grupo onde todos são iguais a você e claro, um dia cada um vai para o seu lado e a saudades preenche o espaço.
Então encerrando, como diria John Houston: Se quiser fazer amizade com um homem, lute com ele.
E se quiser entender o que se passa no coração dele, ouça Hardcore.
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Em tempo de falar outra expressão do jargão miltar norteamericano, Broken Arrow.
Broken Arrow significa que uma bomba, ou ogiva nuclear, foi perdida, furtada ou sequestrada por um exército inimigo ou grupo terrorista.
Eu não sei o que assusta mais, saber que isto é possível ou já ser tão frequente a ponto de ter uma expressão sobre mas seja qual for a situação nós brasileiros somos mais modernos, práticos e eficientes, pois só precisamos de uma sigla/expressão:
MDAFAC (Meu Deus Alguém Faça Alguma Coisa)
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E por falar em coração e adolescência, eu não sabia que seria possível me tornar adulto um dia e depois de adulto não poderia imaginar que ainda era possível se manter adolescente.
E por culpa de apenas um livro.
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*Eu não sei dizer se todos esses encontros e desencontros e tapas e cascudos aconteceram nas terças e os abraços e aceitação nas quintas, mas decidi manter este padrão pois terças-feiras me parecem ótimas para brigar e as quintas-feiras parecem ótimas para fazer as pazes.
**Dois negão é plural de um negão.
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Cápsulas do tempo.
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Esqueci de comentar, o governo federal está lançando a sua moeda digital, a DREX.
D de Digital, R de Real, E de Eletrônico e X porque tá na moda mesmo, tão na moda que o Elon Musk mudou o nome de Twitter para X e o Mark Zuckerberg inventou o concorrente do Twitter (ou X) para concorrer com as threads do Twitter (ou X) chamado... Threads.
Virou briga de Uber e taxista já.
Será que o Uber X agora te leva pra alguma fofoca polêmica interminável?
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Fim de ano com muita emoção e nó na garganta assistindo Bad Religion e The Cure na segunda edição do Primavera Sound, boicotei Roger Waters porque não quero pagar mil reais num ingresso para ser obrigado a ler "RESIST CAPITALISM" num telão e boicotei Paul McCartney por ideologia mesmo, falo mal dos Beatles desde criança e não vai ser agora depois de adulto que vou deixar de ser criança entende?
E ainda vamos ver NX Zero e Titãs com seus últimos shows em São Paulo de ambas as tours, já sei que serão perfeitos.
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Já estou me preparando para o apocalipse social de sempre, o verão está começando de novo e aí eu me despeço do verão e entro em hibernação até final de março: filmes e séries e livros e ar condicionado gelado e moletom quentinho e duas toneladas de pão de queijo e pipoca, estoque de comida e adeus trânsito, diarreia, turista, buzina, gente mal educada, lixo, poluição, carnaval, bandido, polícia, RÉDI LEIBO, GARRAFA VERMELHA DE NITRIX, carro rebaixado, JBL, Anitta, Armandinho, funk, fila, beach club, fila do beach club, sunga, silicone, lancha com churrasqueira, ski, crocs, Chilli Beans, mojito aguado, mijo em lata, criança cagada, bóia furada, prancha de isopor, plástico, caco de vidro, chiclete, camisinha, bituca de cigarro, camarão oleoso, espiga de milho, areia no cu, futevôlei, frescobol, calcinha pro lado, esgoto, ciclista, motoboy empinando, busão, 9vinha, cabelin na régua, tiaozona, pitboy, good vibes, bad vibes, apanhador de sonhos, incenso, gaúcho, paulista, paranaense, catarinense, manezinho, paraguaio, argentino, colombiano, peruano, uruguaio, alemão, holandês, Uber, táxi, 99, Tik Tok, HPV, HIV, IPVA, GPS, postinho de saúde, blitz, waze, floripatem, floripanaotem e Cacau Menezes bróder BINGO.
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