
Foto: Lucas Miró Horn
Se você está aqui pela primeira vez este ensaio faz parte de um livro sendo escrito em tempo real seguindo a narrativa do fluxo de consciência, se te interessar acompanhar o processo comece pelo primeiro.
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17/10/2024
MERCURY
Se você precisa voltar 500 milhões de anos no tempo para explicar, é uma boa história para se contar.
E se eu morrer amanhã eu quero ser lembrado por ter escrito este texto.
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I am the raging sea
I am the mountains
I am the fucking sea
I am everything he tried and failed to take away from me
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Gypsophila é um gênero de plantas com flores da família dos cravos, a Caryophyllaceae, nativas da Eurásia, África, Austrália e Ilhas do Pacífico, introduzidas e bem adaptadas em outras regiões do planeta.
O nome vem do grego gypsos ("gesso") e philios ("afinidade"), uma referência aos substratos ricos em gesso nos quais algumas espécies crescem (mineral de sulfato macio composto de sulfato de cálcio diidratado, encontrado facilmente na natureza e amplamente extraído e usado como fertilizante) e a espécie ornamental mais bem conhecida é Gypsophila paniculata, apelidada de Baby's Breath (bafo de bebê) nos Estados Unidos por causa do seu odor leve, ou mosquitinhos aqui no Brasil pela aparência das suas flores pequenas.
O significado espiritual desta planta remete inocência, pureza e amor eterno e a sua presença é constante em noivados, casamentos e batizados sempre representando afeição e lealdade.
Se você já viu um buquê de flores voando em um casamento, provavelmente ele estava cheio de mosquitinhos.

O gênero Mandragora por sua vez é uma planta ornamental herbácea da família das Solanaceae, originária também da Eurásia e a espécie mais comum Mandragora officinarum não possui caule e tem flores em forma de sino e frutos geralmente amarelos, carnudos, aromáticos e tóxicos, chamados pelos árabes de "maçãs do diabo" por seus supostos efeitos afrodisíacos e uma raiz bifurcada muitas vezes lembrando a forma humana; e quando triturada e misturada com óleo de rosas e vinho era usada para tratar inflamações e dores nos olhos.

No Egito Antigo os frutos das mandrágoras eram considerados símbolos de amor e entre os gregos a planta era conhecida como "Planta de Circe", a Deusa da Lua Nova, do amor físico, da feitiçaria e encantamentos, dos sonhos precognitivos e das maldições e vinganças, associados à fertilidade e amor no Velho Testamento e na idade média ocuparam os pesadelos da imaginação popular e deram trabalho para a igreja católica por serem ingredientes da magia negra, da bruxaria e dos caldeirões.

Sem gênero nem raízes, Mercúrio é o mosquitinho do nosso sistema solar, o menor e mais próximo planeta ao redor do Sol, movendo-se rapidamente em sua órbita e por isto mesmo nomeado em homenagem ao Deus Mercúrio em Roma (ou Hermes na Grécia), conhecido mensageiro entre os deuses e símbolo da agilidade, comunicação e inteligência, filho de ninguém menos que Zeus e inspiração direta para o personagem The Flash da editora DC Comics, sempre apressado e ágil tal qual o elemento químico mercúrio, um metal líquido na temperatura ambiente e conhecido por sua fluidez, toxicidade e versatilidade.

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Somos desinteressantemente deuterostômios mas interessantemente seres penianos invaginantes, se habitantes de outros planetas lançassem livros, filmes e séries de ficção científica sobre nós é assim que seríamos chamados.
Nascemos programados para ter um pênis ou vagina mas até a sétima semana de gestação somos todos meninas, quando então a programação genética XX ou XY determina se invaginaremos ou formaremos um pênis, uma criatura com apenas um olho e vida própria, a qual por toda a sua existência domina as escolhas e deixa os homens completamente imbecis.
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Um bebê pelado com o pitico de fora na capa do Nevermind do Nirvana, um adolescente perdido encostado na parede na capa do Steady Diet of Nothing do Fugazi, uma cobra em alto relevo na capa do Black Album do Metallica, capas de discos são legais e na história do Rock and Roll várias foram polêmicas, como as peladíssimas mulheres no disco Electric Ladyland do The Jimi Hendrix Experience em 1968 ou a explícita e erradíssima foto da capa do primeiro e único disco da banda Blind Faith em 1969, mostrando uma menina de 11 anos com os seios de fora segurando um suposto avião ou nave espacial de formato absolutamente fálico.
Mas também temos a feiosa e tosca capa cheia de bebês não pelados mas pendurados pelos pés no varal de Youthanasia do Megadeth em 1994 e as caóticas, satânicas e sempre sensacionais ilustrações dos discos das bandas Deicide e Slayer e ainda o monge ateando fogo em si mesmo na real e angustiante foto do budista Thich Quang Duc no primeiro disco do Rage Against the Machine em 1992.
E mais ainda as podríssimas capas dos primeiros discos da banda Carcass com suas colagens de fotos de todos os tipos de humanos mortos e seus ferimentos e doenças; a insana primeira ilustração do disco Tomb of the Mutilated do grupo Cannibal Corpse em 1992 mostrando um defunto fazendo sexo oral em uma defunta ou a inacreditável e hoje já clássica pelos motivos errados foto da capa do disco pirata ao vivo The Dawn of the Black Hearts da banda Mayhem em 1995, mostrando literalmente o vocalista da banda morto minutos após ter cometido suicídio com uma espingarda.
Ou ainda o vivíssimo e arregaçado cu do vocalista Peter Steele da banda Type O Negative na capa do disco The Origin of the Feces (isso mesmo, "A Origem das Fezes") em 1992 e claro, muitas vaginas como na sensacional ilustração de Come On Get It do Whitesnake em 1981 mostrando uma cobra, símbolo do grupo, presa dentro de uma maçã (com a composição remetendo a Adão e Eva e o conceito de tentação e sedução) e a língua da cobra incorporando uma vagina ou então os charmosíssimos pelos pubianos tentando escapar do biquíni com estampa da bandeira norteamericana no sensacional Amorica, terceiro disco da também sensacional banda The Black Crowes em 1994.
Menção honrosa não para a capa, mas a ilustração interna de nome Penis Landscape do genial artista plástico Hans Ruedi Giger (ele mesmo, o H.R. Giger, criador de Alien) no disco Frankencrhist da banda Dead Kennedys em 1986, cujo desenho enfileirando pênis e vaginas em pleno ato gerou processos judiciais públicos e privados alegando exposição de material prejudicial para menores (eu fui um deles aqui no Brasil e gostei) que praticamente faliram banda e gravadora.
Mas nada se compara ao primeiro e único álbum da banda canadense Vagina Witchcraft: uma capa simples de uma foto frontal em preto e branco de um ventre feminino nu, uma buceta cabeluda e no meio da vegetação pubiana vários mosquitinhos plantados, defintivamente a capa mais legal de todas da história do Rock and Roll e se mesmo assim você precisa de uma explicação ela existe, mas a única forma de contar e explicar o motivo é primeiro voltarmos cerca de 500 milhões de anos no tempo e falarmos sobre os peixes no Período Cambriano; e lembrar dos tempos do vestibular e duas das características e capacidades as quais mais nos definem biologicamente: locomoção e reprodução.

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No Período Cambriano surgiu a notocorda, a primeira coluna vertebral de que se tem notícia (até hoje presente na nossa formação embrionária e responsável direta pela nossa capacidade de ficarmos de pé e nos locomover) e também a reprodução sexuada ou seja, a diferenciação entre macho e fêmea.
Não à toa foi onde ocorreu a maior diversidade de toda a história da vida na terra, com o surgimento de organismos mais complexos e capazes de não só dominar territorialmente o meio como também migrar para outros ambientes e essas duas características, resumidamente poder passear e transar, fizeram da fenda do biquíni uma verdadeira orgia onde todo mundo dava rolezinho, todo mundo transava e não faltava comida pra ninguém, o Movimento LGBT daquela época era formado por Lambaris, Garoupas, Bagres e Tatuíras.
A parte engraçada, ou estranha, é que a primeira modalidade de reprodução sexuada era externa (como ainda é em muitas espécies dos nossos queridos peixes), quando o óvulo feminino se encontra com o espermatozoide masculino no ambiente, fecundando e gerando um novo ser. Em outras palavras há 500 milhões de anos todo mundo também gozava fora e ter boa pontaria era questão de sobrevivência.
A fecundação externa era tanto uma causalidade quanto uma oportunidade pois era comum um peixe assustado ejacular e sair nadando na velocidade seis (se você já mergulhou em algum recife provavelmente um peixe já fez isso na sua cara), como se o coitado dissesse "deixa eu só dar mais uma gozadinha antes de fugir" e assim ele poderia, com sorte, encontrar um óvulo boiando e garantir a perpetuação dos seus genes para gerações futuras.
A parte mais engraçada, ou mais estranha ainda, é que assim como a notocorda ainda pertence ao nosso período imemorial e embrionário a fecundação externa ainda ocorre ou melhor, tenta ocorrer, na espécie humana de forma absolutamente instintiva e inconsciente.
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Salto temporal, anos e anos se passaram no planeta e muita coisa aconteceu: pênis e vaginas nadando para lá e para cá, aí os peixes ganharam pernas, as cobras criaram asas, os dinossauros nem correndo escaparam, os mamíferos se enturmaram e um deles aprendeu a ficar de pé e então... a ortopedia.
Perguntaram para a antropóloga Margaret Mead qual seria na sua opinião o primeiro sinal de civilização na nossa espécie e quando todo mundo pensou em vasos de barro, lascas de pedra afiadas ou até restos de fogueiras ela respondeu: um fêmur quebrado e curado.
Ela estava certa, no reino animal se você quebrar a perna, você morre. Você não pode fugir, ir até o rio beber água ou caçar para se alimentar, você de fato se torna a caça, carne fresca para predadores. Nenhum animal sobrevive a uma perna quebrada o tempo suficiente para contar a história, um fêmur quebrado e curado é a prova de que alguém ficou com a pessoa ferida, curou a lesão, protegeu até a sua recuperação e até mesmo aceitou as suas limitações desde então, ajudando a beber e se alimentar.
Segundo Mead o ponto de partida da civilização é uma ajuda comunitária, ninguém solta a tala de ninguém.
Civilizado e de fêmur novinho em folha o humano começou a a caçar, falar, cozinhar e namorar, cantar, rezar, dançar e guerrear e aqui o assunto começa a esquentar, muitos e muitos anos depois mas ainda assim muitos e muitos anos atrás chegamos na idade média, do Cambriano para o Gregoriano, a era da falta de diversidade, ninguém transava, ninguém comia, todo mundo brigava e quem gozava, gozava escondido ou então depois de morto; se corria a besta pegaria, se ficasse a besta comeria.
Visigodos contra vikings, vândalos ameaçando ostrogodos, bretões caçando saxões.
Papas, imperadores, príncipes, duques, condes e bispos, vassalos e plebeus e muito cacique para pouco índio, assim era a Europa nos anos mil e alguma coisa; não faltava gente para brigar e mandar no feudo.
Ninguém se respeitava, cada um tinha o seu sítio, a sua vaquinha e ai de quem chegasse perto, pois as mimosas dormiam junto com os donos por causa do frio e ameaça de furto.
Os homens não passavam dos trinta, as mulheres morriam no parto e as crianças morriam ao nascer, não existia TV a cabo, livro de auto-ajuda e nem Mega Sena. Quando tinha comida, todos comiam até passar mal e quando não tinha, não comiam.
Com certeza a palavra esperança não foi inventada neste período e se antes de Cristo a vida era meio sem graça, em plena idade média a vida era sem graça e apavorante.
Sem falar do tédio. O assunto diário era se sobrou pão, se tinha água e se o filho-de-não-sei-quem iria vingar e a Terra, esta criação divina, ainda era o centro do universo e só quem era da igreja sabia escrever, o que nos dá uma idéia do nível de literatura existente nestes dias.
Mesmo falando o tempo todo sobre o fim do mundo (e como falavam), viver na Europa já era por si só o apocalipse.
Mas além de toda a penúria, sempre aparecia alguém para jogar mais um urubu ainda azarando a vida dos europeus, o assunto então era se Jesus iria voltar com mão de ferro e desta vez não teria Império Romano para segurar, o céu se abriria e as bestas apareceriam cavalgando.
Tudo culpa do final surpresa do Apocalipse onde relatava: “... depois de se consumirem mil anos, Satanás será solto da prisão.”.
Justo o satanás e mil anos depois do ano zero cristão a conta fechou e todo mundo passou a dormir mal. O reveillon de 999 para 1000 foi o mais sem graça da história, todo mundo olhando para o céu e ninguém soltando foguete.
O apocalipse não veio mas por quase mil anos após ainda morria-se de tudo: de doenças, de fome e de tristeza ou se arrumasse problema com as pessoas erradas morreria na fogueira ou na forca. Morrer na fogueira era, de acordo com a torta filosofia da inquisição católica, uma forma de libertar a alma do pecador através da destruição da sua mente e corpo impuros, e também de impedir a sua ressuscitação. Já a forca seria uma morte rápida e piedosa onde o enforcado teria o direito de morrer pelo próprio peso dos seus pecados e da sua consciência, sendo a igreja o mero instrumento divino que permitiria este processo de expiação final.
Quanta gentileza.
Por este mesmo motivo muitas vezes homens eram enforcados nus com o objetivo de expô-los à humilhação e a nudez vergonhosa dos expulsos do paraíso no pecado original do Gênesis e também dos criminosos e impuros que se revelariam no apocalipse bíblico (impedindo assim a sua entrada nos céus após a morte, mesmo após a libertação do seu espírito, e condenado à passar a eternidade nu).
O que acontece com o corpo de uma pessoa sendo queimada viva eu deixo para a imaginação de cada um mas na forca o deslocamento da coluna cervical pela força da gravidade promove ao mesmo tempo o corte imediato de oxigênio e do sangue circulante em direção ao cérebro e uma repentina carga de adrenalina no corpo aliada ao peso e sangue em direção aos órgãos inferiores, causando no homem uma ereção involuntária e (praticamente no exato mesmo segundo), ejaculação.
Se por acaso o infeliz sobrevive os relatos são de tontura, prazer e sensação de estar levitando, uma coisa meio páginas de 50 Tons de Cinza de onde podemos concluir que se um tapinha não dói, uma enforcadinha não faz mal.
É de se perguntar se morrer enforcado é uma morte prazerosa e morrer gozando (ou gozar morrendo) é antes de tudo a prova imemorial de milhões de anos na escala evolutiva impressa em nosso DNA e este mesmo processo também é comum acontecer com outros mamíferos superiores e também nos piores momentos como cães ao serem atropelados, ursos e leões logo após serem sedados e veados e búfalos após tomarem um tiro nas fuças de algum caçador com boa pontaria; um mecanismo de defesa onde a interrupção do fornecimento de oxigênio é interpretado pelo nosso sistema límbico como uma última chance, igual o peixe assustado e ejaculando por um impulso moldado em milhões de anos de puro instinto de sobrevivência de si e da sua herança genética.
Nada muito estranho e fácil de relacionar se você pensar o quanto a fecundação humana via uretra masculina e útero feminino é praticamente externa comparada como e onde óvulos e espermatozoides são produzidos.
E por falar em espermatozoides, o esperma humano é basicamente composto de aminoácidos, frutose, enzimas, ferro, vitaminas B e C e também ácido cítrico, colesterol e zinco, praticamente um shake de comercial no Instagram, um superalimento mais nutritivo e saudável que muita barrinha de cereal vendida por aí, esperma este que do nosso pobre pelado enforcado caía na vegetação e (apesar de não encontrar nenhum óvulo pelo caminho) tinha plenas condições químicas e biológicas de fertilizar o solo, e aqui o assunto não só volta a esquentar mais um pouco como fica mais bonito (ou engraçado, ou estranho) ainda.
Não havia televisão na idade média, nem Netflix ou Jornal Nacional, naquele tempo acompanhar fake news era possível somente nas missas de domingo e assistir desgraças e notícias ruins somente ao vivo: acompanhar execuções na fogueira, enforcamentos a apedrejamentos era entretenimento de adultos e crianças, homens e mulheres, padres e bruxas, estes últimos muito interessados em pecadores nus, cada qual por seus motivos e motivações.
As bruxas acompanhavam com muita atenção os enforcamentos e no dia seguinte ou em noites de lua cheia se agachavam na frente do enforcado e colhiam a vegetação abaixo dos seus pés, recém adubada e muitas vezes florescida em tempo recorde pelo último respingo (ops) de vida de um homem, os mosquitinhos recém-florescidos, pequenas novas vidas com propriedades mágicas, vegetação cuja crença dizia servir para poções de amor e enfeitiçar outros homens, curar frigidez e esterilidade feminina e impotência e infertilidade masculina, amenizar dores do parto e acalmar maus espíritos.

Muitas bruxas inclusive faziam sexo com esta colheita gerando os seus próprios malditos, assustadores e nunca vistos homúnculos, crianças sem voz nem alma, ou plantando as mandrágoras cujas raízes deveriam ser colhidas também em noites de lua cheia e puxadas por um cão preto pois se uma pessoa ou outro animal tentasse soltariam um grito tão forte capaz de matar de loucura quem ouvisse, criaturas e gritos os quais também nunca ninguém viu ou ouviu.

Mas claro, nem só de porra de defunto vivia a bruxaria, o sangue menstrual também fazia sucesso e até onde se sabe faz bem para o jardim também porque as plantinhas gostam de ferro, nitrogênio, potássio e fósforo mas, como eu não sou nenhuma neta das bruxas que não foram queimadas, vou focar apenas no meu lugar de falo.
O esperma do enforcado para uma bruxa tinha o mesmo valor de mercado do açafrão para o indiano, da trufa para o chefe de cozinha e do pinhão para mim, era a própria materialização do amor e do sexo e esta é a real representação da capa do disco da banda Vagina Witchcraft; a sexualidade masculina como propagadora e a feminina como retentora da fertilidade, a semente florescendo no terreno que a acolhe, espermatozoides floridos em uma vegetação de pelos pubianos.

E porra por porra, sangue por sangue, ao contrário dos anéis de guano nunca vi uma guerra se iniciar por causa de ejaculação ou menstruação.
Esta capa poderia ser apenas uma xereca cabeluda aparecendo do nada no seu Spotify e te envergonhando na fila da padaria mas não, é uma maravilhosa história real de sobrevivência, adaptação e evolução iniciada centenas de milhões de anos nadando e atravessando oceanos, andou na terra, aguentou um meteoro e aprendeu a ficar de pé, ajeitou o fêmur, fez ferramentas de pedra, aprendeu a fazer churrasco e construiu pirâmides, escreveu três grandes livros religiosos, queimou algumas bruxas e enforcou alguns hereges, passou por algumas epidemias, fome e sede, incontáveis batalhas e por duas grandes guerras mundiais, pelo VHS, DVD e Blu-Ray, Vinil, CD e MP3, superou a existência do U2, do sapatênis e da chinela gladiadora e chegou até você.
Esta capa é o triunfo da vida.

A metáfora perfeita, a definição de Ouroboros e reencarnação na natureza, a vida seguindo seu ciclo mesmo na presença da morte em um processo regenerativo constante e mutuamente dependente onde o milagre e a ciência andam juntos e, se Nevermind é o disco do pintinho, este é o verdadeiro In Utero.
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Por falar em In Utero, na época do lançamento a banda Nirvana foi acusada de apologia ao estupro por causa da música "Rape Me", uma música obviamente anti-estupro, mas o Rock and Roll já está desde sempre acostumado a ser acusado sem ter culpa, seja suicídio, tiroteio em colégio, estupro ou apologia à violência.
Ironicamente o mesmo single da "Rape Me" é também o single da faixa "All Apologies" como se o Kurt de novo estivesse prevendo algo e já de novo se desculpando ou melhor, debochando do tema:
What else should I be?
All apologies
What else should I say?
Everyone is gay
What else should I write?
I don't have the right
What else should I be?
All apologies
E pra aliviar, mas não tanto, o lado B deste mesmo single tem umas das melhores e piores e mais inteligentes e estúpidas músicas da história, Moist Vagina (vagina molhada, pega essa Wando), tão intraduzível quanto facilmente compreensível:
She had a moist vagina
I particularly enjoyed the circumference
I'll be sucking walls of her anus
Anilingus
I prefer her to any other
Marijuana
Marijuana
Marijuana
She had a moist vagina
I preferred her to any other
Marijuana
Marijuana
Marijuana
Marijuana
Marijuana
Marijuana
Marijuana
Marijuana
Marijuana
Marijuana
Marijuana
Nem Freud explica e não me surpreenderia se além do Elon Musk Kurt Cobain também tivesse passado e se inspirado na Lagoa da Conceição e roubado o rascunho anotado da música de algum garçom local.
Aliás se Sigmund Freud também fosse biólogo teria se divertido bastante, afinal o pequeno Microbrachius dicki surgido também centenas de milhões de anos atrás foi primeiro peixinho capaz de transar e fecundar internamente a fêmea da espécie mas a notar pelo nome o bilau dele não deveria ser muito grande em um mundo onde algumas espécies de lulas, lesmas e até patos possuem o pênis do mesmo tamanho de seus corpos e dezenas de milhões de anos atrás as águas do planeta já eram ocupadas pelas nossas queridas baleias em cuja maior espécie, a baleia-azul, os machos têm pênis de quase três metros de comprimento e testículos pesando quase dez quilos e as fêmeas possuems vaginas tão grandes que você, um ser humano, pode andar dentro dela (e se você acabou de fantasiar com isto não se sinta mal, Freud ainda é psicólogo e te entenderia, o macho humano é obcecado neste nível quando se trata de buceta, depois da sétima semana o XY da nossa espécie passa todos os dias da sua vida tentando voltar para dentro de uma).

Sexo, a origem da vida de todos, o motivo da vida de muitos, e o fim da vida de vários.
Afinal, tudo é sobre sexo menos o sexo, pois o sexo é sobre poder.
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Ok, e a banda?
A banda é uma maravilhosa mistura de Hardcore com Doom Metal com Stoner Rock com Punk Rock comandada pela vocalista gritalhona igual uma mandrágora arrancada por um poodle de dia, poeta, ativista e chuto eu, vagina cabeluda, Kayla Fernandes.
Procure por aí e ouça bem alto (se os seus vizinhos reclamarem conte esta história aí em cima para justificar, vai que cola) e olha que incrível, apesar de não estar mais ativa existe um ensaio da banda no YouTube filmado dentro de um estúdio em 360 graus, quem nunca quis ver uma vagina por dentro em 360 graus que atire a primeira hóstia.
Seria este o tal rock das aranhas previsto por aquele molusco beleza nascido dez mil anos atrás e será que eles estão ensaiando dentro de uma vagina de uma baleia?
A música Mercury, a minha favorita, parece sugerir os humores somados de todos os mercúrios conhecidos, a raiva de um planeta forçado em sua órbita e próximo demais do sol, a ansiedade um deus carteiro de todos os deuses e a instabilidade um metal fluído como líquido e volátil como gás além, claro, de ser a própria invocação de uma bruxaria explícita:
Fear me
Fear me
I am the fucking devil
I have come to do the devils work
Fear me
Fear me
I am the fucking devil
He called me beautiful
As if that was all I aspired to be
I am the raging sea
I am the mountains
I am the fucking sea
I am everything he tried and failed to take away from me
I am the raging sea
I am the mountains
Don't go away from me
I've got a ticket with your fucking name
Fear me
Fear me
I am the fucking devil
I have come to do the devils work
Fear me
Fear me
Definitivamente não é música para todos mas tudo bem, se você não quiser ouvir podemos sempre ficar com o Fagner, o nosso trovador fanho não cantava muito sobre vaginas (pelo menos não diretamente) mas manjava de peixes, de amor e de breguice:
Quem dera ser um peixe
Para em teu límpido aquário mergulhar
Fazer borbulhas de amor pra te encantar
Passar a noite em claro
Dentro de ti
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Já falamos de cus, bebês pelados, pintinhos e vaginas cabeludas, mas podemos tocar (ops) no assunto cu novamente e sermos breves como em uma consulta no proctologista.
Existe até uma banda chamada Anal Cunt para ajudar no tema e aliás o vocal do Anal lembra a vocal da Vagina então nós não só moramos no planeta onde todas as espécies gozam onde não devem mas também é o planeta onde ânus e vaginas cantam parecido, cus com voz de bucetas e vice-versa, Darwin não esperava algo assim.
Existem muitos cuzões neste mundo e muitos nunca evoluem além deste estágio, então apenas devemos cuidar dos nossos como se nossas vidas dependessem disso, vivemos na era das eternas reformas ortográficas, da novilíngua orwelliana e a morte da ironia; e eu tenho muita pena desta geração nascida na época e em uma sociedade distópica onde só os celulares se divertem, idolatram políticos como se fossem santos, fogem da reflexão igual o diabo foge da cruz, ao mesmo tempo em que o ateísmo, a ciência e o libertarismo são as novas igrejas e questionar estes já é a nova heresia, todas as metáforas e bucetas são depiladas, todas as pessoas são boas e ninguém mais pode sentir ou demonstrar ódio e ao mesmo tempo todos se odeiam e cu não tem mais acento.
Deve ser um mundo assustador.
Daqui 500 anos seremos lembrados assim, a inquisição digital, o Malleus Maleficarum 2.0.
Se alguém demonstrar ódio deixe falar e ouça, é uma manifestação individual válida e muitas vezes pode ser só um desabafo ou um pedido de socorro exatamente como no famoso meme:
- Todo mundo está lutando uma batalha pessoal a qual você não sabe nada a respeito, seja gentil.
O ódio e a agressividade são um sentimento e uma manifestação válidos, você não vê ódio e agressividade nos sete pecados capitais ou nos dez mandamentos, ao contrário da ira e da violência, as formas degeneradas dos citados anteriormente.
E se você sentir ódio coloque para fora de forma justa, plante margaridas ou monte uma banda como a Kayla aí em cima.
Bandas movidas pelo ódio são muito divertidas.

Tão divertidas quanto aquela adolescente exibida e aquele feioso, desengonçado e invocado peixinho que encantou Charles Darwin quando passou pelo Brasil.
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Em tempo, No século XVIII a mandrágora já reabilitada no imaginário popular era chamada de "mão da glória", pois cuja posse e crença dobrava o valor de tudo que recebia (por exemplo, devolvendo duas moedas de ouro para cada moeda doada), fazendo até mesmo parte das ilustrações de brasões e bandeiras.
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Cápsula don't look back in anger do tempo.
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O Oasis voltou.
O Oasis voltou.
O Oasis voltou.
O Oasis voltou.
O Oasis voltou.
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Morreu o Silvio Santos, o Brasil é menos Brasil sem ele.
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Quase 45 dias sem escrever mas foi por um bom motivo: eu estava realizando um sonho.
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