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ENSAIO 77: ROSA PARKS

  • Foto do escritor: LFMontag
    LFMontag
  • 6 de mai.
  • 9 min de leitura


Se você está aqui pela primeira vez este ensaio faz parte de um livro sendo escrito em tempo real seguindo a narrativa do fluxo de consciência, se te interessar acompanhar o processo comece pelo primeiro.



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07/05/2025


ROSA PARKS


Florences, Violets, Rosas e Renatas, teimosas, resilientes, coloridas e mais teimosas ainda.


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O livro "Homens Invisíveis – Relatos de uma Humilhação Social", do sociólogo brasileiro Fernando Braga da Costa, surgiu a partir de uma experiência real durante sua graduação em Psicologia na USP, quando ele mesmo decidiu trabalhar como faxineiro na própria universidade e compreender de dentro como as pessoas que realizam trabalhos considerados inferiores são tratadas pela sociedade, especialmente no meio acadêmico.


Durante oito anos ele alternou sua vida entre o curso e o trabalho braçal e realizou um retrato brutal do preconceito, da desumanização e da indiferença que esses trabalhadores enfrentam no cotidiano; os garis, faxineiros, serventes e tantos outros que, apesar de estarem presentes todos os dias, não são vistos — ou pior, são tratados como inexistentes.


Em suas palavras:


- Descobri que um simples uniforme de gari é capaz de anular a existência de uma pessoa, durante oito anos de pesquisa, ouvi centenas de vezes a mesma frase: Nunca pensei que um gari pudesse falar assim.


E:


- A maior violência que sofri não foi física mas simbólica, era como se eu não existisse, aprendi que a forma mais perversa de opressão é a indiferença, os garis diziam estar acostumados com o desprezo mas ninguém merece se acostumar com a humilhação.


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Florence Nightingale nasceu em 1820, na cidade de Florença, na Itália, e desde jovem sentia ter uma missão espiritual e humanitária (mesmo sendo de uma família britânica rica e influente e contrária as suas motivações) e decidiu estudar e se dedicar à área da saúde, especificamente a enfermagem.


Durante a Guerra da Crimeia, entre 1853 e 1856, ela foi enviada ao front com um grupo de enfermeiras voluntárias para cuidar de soldados britânicos feridos, encontrando um ambiente caótico, sujo e sem condições mínimas de higiene, quando implementou medidas simples como limpeza, ventilação adequada e organização do espaço, que levaram a uma queda impressionante na taxa de mortalidade de cerca de 42% para apenas 2%.


Ela ficou conhecida como "A Dama da Lâmpada" por fazer rondas noturnas pelos corredores dos hospitais verificando o estado dos soldados com uma lamparina nas mãos e essa imagem ficou marcada como símbolo de cuidado e dedicação à vida.



Além de sua atuação prática também foi pioneira no uso de estatísticas na área da saúde, utilizou gráficos e infográficos para convencer autoridades e políticos sobre a importância da higiene nos hospitais e nos campos de batalha e um de seus trabalhos mais conhecidos é o "Diagrama de Rosa", um gráfico circular mostrando claramente as causas das mortes na guerra em cada período e provando em sua maioria pela precariedade nas condições dos locais dos atendimentos.


Em 1860 fundou a Escola de Enfermagem do Hospital St. Thomas em Londres, considerada a primeira escola profissional de enfermagem do mundo (cujo modelo de ensino e prática desenvolvido influenciou profundamente a enfermagem moderna) enquanto também escreveu obras importantes como "Notes on Nursing: What It Is and What It Is Not", publicado em 1859, que ainda é referência nos cursos da área atuais em diversos países.


Além disso Florence participou de reformas sanitárias não só na Inglaterra mas também em regiões do então Império Britânico como a Índia, e em sua homenagem o Dia Internacional da Enfermagem é comemorado no dia 12 de maio, data de seu nascimento.


Seu nome tem origem no latim "Florentia" e significa "próspera", "florida", "florescente" e carrega a ideia de crescimento, beleza e abundância, como as violetas.


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Violet Jessop também trabalhou como enfermeira, mas a bordo de vários transatlânticos famosos; nascida em 1887 na Argentina, era filha de imigrantes irlandeses e ainda jovem mudou-se para a Inglaterra com a família.


Logo após a morte do pai começou a trabalhar como comissária de bordo para ajudar no sustento da casa e seu primeiro emprego foi na companhia marítima White Star Line.


Jessop ficou conhecida como uma das pessoas com mais sorte — ou azar — da história marítima, sobrevivendo a três desastres envolvendo navios da mesma empresa.


Em 1911 ela estava a bordo do navio RMS Olympic quando colidiu com o HMS Hawke mas conseguiu retornar ao porto sem afundar; em 2012 sobreviveu ao desastre do navio RMS Titanic embarcando em um dos botes salva-vidas e mais tarde foi resgatada pelo RMS Carpathia e, anos depois e durante a Primeira Guerra Mundial, Jessop serviu como enfermeira da Cruz Vermelha a bordo do HMHS Britannic que estava sendo usado como navio-hospital, o qual também naufragou devido a uma explosão após ser atingido por uma mina no Mar Egeu mas sobreviveu novamente embarcando em um bote salva-vidas.


Apesar de sobreviver três grandes desastres marítimos, Violet continuou a trabalhar como enfermeira em transatlânticos por muitos anos até se aposentar e nunca buscou fama por suas experiências, e só depois de sua morte suas memórias foram publicadas e se tornou mundialmente conhecida como "a mulher inafundável" e símbolo de resiliência, como as rosas.


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Rosa Parks não era enfermeira, nem de família rica, até onde sei nunca andou de transatlântico e/ou sobreviveu um naufrágio, Rosa era costureira e não esperou sentada quando achou que deveria fazer algo.


Ou melhor, esperou.


Ou melhor ainda, não esperou mas permaneceu sentada, tornando ela um caso único e insólito de quem lutou mas não se levantou por uma causa.


Você sabem, hoje em dia é fácil mudar o mundo em 5 passos:


1- mude a sua foto de perfil para "quero mudar o mundo"

2- confirme presença no evento "quero mudar o mundo"

3- curta a página "quero mudar o mundo"

4- use a hashtag #queromudaromundo

5- compartilhe links sobre como mudar o mundo pra mostrar que a sua causa é séria.


Espere sentado até a próxima urgência social/racial/econômica/climática aparecer no seu feed.


Mas até bem pouco tempo atrás fazer o pouco no momento certo poderia mover montanhas.


Rosa Parks nasceu em 4 de fevereiro de 1913, na cidade de Tuskegee, no estado do Alabama no sul dos Estados Unidos, onde cresceu em um contexto de forte segregação racial e, desde cedo, enfrentou as limitações impostas pelas leis de Jim Crow que institucionalizavam a desigualdade entre brancos e negros no país.


No primeiro dia de dezembro de 1955 Rosa se recusou a ceder seu lugar para um homem branco em um ônibus segregado na cidade de Montgomery, também no Alabama; no meio do ônibus havia uma parte entre frente e fundo onde passageiros negros podiam sentar, desde que não houvesse brancos em pé.


Quando o ônibus começou a encher o motorista exigiu que ela e outras três pessoas negras cedessem seus lugares para os passageiros brancos mas Rosa se recusou e como consequência a polícia foi chamada e ela presa.


Por este crime hediondo foi fichada e presa, protagonizando uma das fotos mais estoicas e poderosas da história enquanto um policial colhia as suas impressões digitais de criminosa e este simples gesto de não se levantar levou ao boicote contra os ônibus da empresa da cidade por 381 dias, um marco na luta contra o racismo e também uma das primeiras grandes mobilizações lideradas pelo então jovem pastor Martin Luther King Jr.



Antes deste episódio Rosa já atuava como secretária da seção local da NAACP (Associação Nacional para o Progresso de Pessoas de Cor), uma das principais organizações na luta pelos direitos civis e seu ato não foi impulsivo, mas planejado dentro de um contexto de resistência maior e, apesar de não ter sido a primeira pessoa negra a desafiar a segregação nos ônibus, o seu caso teve grande repercussão por conta de sua postura, reputação e o momento político.


Em 13 de novembro de 1956 a Suprema Corte dos Estados Unidos decidiu pela inconstitucionalidade de leis discriminatórias nos ônibus públicos e em 20 de dezembro de 1956 a ordem judicial chegou a Montgomery, encerrando oficialmente o boicote.


Esse movimento marcou a ascensão de Martin Luther King Jr. como líder nacional e foi um dos primeiros grandes sucessos do movimento dos direitos civis nos país, mostrando o poder da resistência não violenta.


Rosa Parks continuou engajada na luta pelos direitos civis ao longo de sua vida e após continuar a sofrer represálias em Montgomery mudou-se para Detroit, no estado de Michigan, onde trabalhou como assessora do congressista John Conyers e continuou seu ativismo, cidade onde viveu e faleceu em 24 de outubro de 2005, aos 92 anos.


Além de símbolo da resistência coletiva, Rosa Parks representou a força da ação individual diante da injustiça; depois de um dia inteiro de trabalho sentou no ônibus indo para casa quando o motorista mandou ela se levantar para dar lugar aos brancos que estavam de pé.


Ela não se levantou.


Foi sentada que ela se ergueu para o mundo e arrastando junto toda a sociedade onde ela se inseria e assim conseguiu mover mais uma pedra nessa estrada tortuosa que é a história humana ou, em outras palavras: se tivessem mandado ela ficar sentada, teria se levantado.


Foi presa, depois muitas vezes perseguida e ameaçada de morte enquanto viva mas décadas atrás ninguém conseguiu se apoderar da sua ideia, natural, viva e espontânea e após falecer seu corpo foi velado no Capitólio dos Estados Unidos, uma honra raramente concedida a civis, eternizando o seu reconhecimento como heroína nacional.


Num mundo em que nos sobrou comemorar e compartilhar meias histórias, meias conquistas e meias verdades emolduradas em links, hashtags, curtidas, emojis e emoticons o empoderamento social promovido por ela é uma lição espinhosa de alguém que só poderia ter sido forte como uma rosa, como as Renatas.


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As Renatas são muitas, dezenas, centenas para ser mais inexato e mesmo incontáveis são invisíveis, não são enfermeiras mas não existe saúde sem elas, absolutamente nenhuma demais jamais andou em um transatlântico mas sem elas as coisas afundam, não são costureiras mas sem elas tudo vira um nó e as coisas de fato desalinham.


Todas obviamente pobres e em sua grande maioria negras e bundudas, beiçudas, vivas.


Lindas e sorridentes, de ombros cansados, olhar desconfiado mas com a cabeça erguida e com muitas histórias para contar.


Testemunhas de um sofrimento tão real que não pode ser romantizado ou adulterado para ganhar mais curtidas em redes sociais e para cada história triste de violência e opressão sofrida diariamente trazem junto uma grande lição de força e alegria.


Elas riem se querem rir e choram quando têm vontade e trabalham com enxaqueca, varizes, lordose, escoliose e tendinite, pensando no irmão preso e no filho sem creche.

Com o pai demente de alcoolismo.


E mesmo assim sempre possuem uma piada nova para você na ponta da língua, são coloridas em dias cinzentos e ensolaradas em dias chuvosos.


Todas sabem meu nome e as que eu não lembro eu chamo de Renata por sugestão de uma delas:


- Se não lembrar chama de Renata, é nome de branca feliz.


Ironia de negra pobre, a mais cortante.


Quando eu chamo uma delas pelo seu real nome os olhos brilham como se eu tivesse dito "eu te amo", afinal o nome de cada pessoa é negação da invisibilidade, da despersonalização, da aporia, ou como diz em Fargo, é tudo uma questão de uniforme.


Se você manda sentar, elas levantam, se você manda levantar, elas sentam e até você aprender que cada uma delas é uma perfeita gerente de si mesma e das colegas, e que a horizontalidade nas cadeias de comando em um hospital tem peso de ouro, resta a você pedir com jeitinho e ser atendido.


E também riem se querem rir e choravam quando querem chorar, e como dão risada, e como choram.


E como trabalham.


Faxineiras de hospital sentam quando precisam e levantam quando acham necessário, se os médicos e enfermeiros encantam é porque as faxineiras estão lá para deixar o palco brilhando.


Mais que isso, brilhando e descontaminado, afinal elas não são auxiliares de limpeza pois fazem muito mais que auxiliar, elas limpam, lavam, descontaminam e organizam e se existe vida em um hospital, é em boa parte por causa delas.



Movem trincheiras, montanhas e navios se necessário e apesar de não serem enfermeiras sem elas não existe vida, podem ser Florences, Violets, Rosas ou Renatas; teimosas, resilientes, coloridas e mais teimosas ainda, a nossa moeda oficial é o Ouro Branco e nós nunca perdemos uma batalha.


Mas já falamos sobre rosas, agora eu quero voltar a falar sobre espinhos, e sobre Bond, James Bond.


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Cápsulas de atestados do tempo.


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O Neymar foi criticado por alguma dessas críticas de futebol que não entendo nem presto atenção mas a resposta dele foi de uma sagacidade tão irritante, eu diria até mesmo um drible retórico, que não resisto deixar registrado:


- Se trabalhar fosse bom e fizesse bem pra saúde quando você ficasse doente o médico te mandaria trabalhar em vez de te dar atestado, então pra quem tá me criticando aí, menos foco e mais ansiedade.


Não sei de onde consigo tirar mais ansiedade nem onde mais perder o foco, mas vou adotar esse conselho.


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A cantora Anitta está travando uma batalha judicial para impedir o uso de seu nome artístico em produtos que não estejam ligados à sua imagem.


A disputa agora é contra uma empresa farmacêutica responsável pelo vermífugo “Annita”, assim com dois n, e que além de fabricar o medicamento também possui o registro da grafia “Anitta”, idêntica à usada pela artista, a qual espero que seja usada para um laxante.


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