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ENSAIO 44: TRÊS VAGABUNDOS

Atualizado: 30 de dez. de 2023



Se você está aqui pela primeira vez este ensaio faz parte de um livro sendo escrito em tempo real seguindo a narrativa do fluxo de consciência, se te interessar acompanhar o processo comece pelo primeiro.



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29/11/2023


TRÊS VAGABUNDOS


Três vagabundos, três bandas, pura diversão.


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O clube The Haçienda (assim mesmo com ç) foi uma boate e casa de shows em Manchester na Inglaterra e que se tornou famosa durante os anos conhecidos como Madchester e promoveu a cena Acid House e as raves entre a década de 80 e início da década de 90.



Inaugurada em 1982 e administrada pela gravadora Factory Records, começou a fazer sucesso junto da banda New Order e o hit "Blue Monday" de 1983 e cujo sucesso ajudou a subsidiar o clube, que mesmo assim nunca chegou a dar lucro porque as vendas do bar eram pequenas (o público preferia usar o ecstasy vendido na esquina da frente e nas calçadas e matar a sede bedendo água no banheiro mesmo), funcionando até 1997 quando foi reformada e revendida como um lote de apartamentos e anunciada por uma das campanhas publicitárias das mais geniais possíveis, usando a seguinte frase: Venha morar onde você foi feliz um dia.



A piada local é que apenas os integrantes do New Order teriam dinheiro para comprar imóveis na região, mas pelo menos eles enfim poderia convidar os pais, mostrar o apartamento e dizer:


- Viu mãe, eu não era um vagabundo.


Além do New Order várias outras bandas depois mundialmente famosas passaram antes pelo clube como Oasis, The Stone Roses, 808 State, The Chemical Brothers, The Smiths e Happy Mondays.


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Montar uma banda nem sempre é divertido, muitas vezes porque uma verdade sobre bandas é que todos gostariam de ser o baterista, é só montar a bateria e todo mundo quer sentar na bateria, é só entrar no estúdio ou na garagem e a primeira coisa que o vocalista/guitarrista/baixista faz, é sentar na bateria.


E o baterista geralmente é o único cara da banda com grana e um lugar para ensaiar, afinal onde cabe uma bateria cabe uma banda e por isto mesmo existe o (maldoso) ditado: todo guitarrista é um baterista pobre, todo baixista é um guitarrista preguiçoso e todo vocalista é o amigo que nem para baixista serve e somente por este motivo todo mundo achou que ele poderia cantar.


No primeiro yeah todos se arrependem, até mesmo ele por ter aceitado o convite.


Quando por acaso é o vocalista com grana e garagem grande a situação fica pior que casamento arranjado, ninguém quer tomar a iniciativa de encerrar a relação e ficar sem lugar para ensaiar, e Rock and Roll passivo-agressivo geralmente não dá bons resultados.


Mas pode ser ainda pior, existem bandas (e eu conheço pelo menos três delas) com um integrante que não faz, absolutamente nada, ou muito pouco.


E isto torna elas mais divertidas ainda.


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O Bez talvez seja o mais conhecido e definitivamente o mais polêmico, conhecido como tocador de maracá, dançarino bizarro e mascote da banda Happy Mondays, formada em 1980 e convidado pelo vocalista Shaun Ryder por, antes de tudo, ser o especialista em trazer para a turma as melhores drogas disponíveis por onde eles passassem.

Apenas o fato de existir uma banda com nome Happy Mondays justamente em uma cultura e época onde a segunda-feira é o dia oficial da ressaca faz esta banda e o Bez ultrapassarem com gosto os domingos eternos do Grateful Dead e do Jerry Garcia, mas Bez não só tomou o ectasy original como também LSD direto na corrente sanguínea e isto coloca ele no topo e ao mesmo tempo no fundo do estrato humano social.



A prova é que após anos de sucesso sendo apenas vagabundo/dançarino/aviãozinho declarou falência em 2005, topando participar do Celebrity Big Brother para pagar suas dívidas com os impostos britânicos e foi eleito o vencedor, usou parte do prêmio reformando o motor de seu táxi preto em Londres, participou também do programa de televisão Pimp My Ride UK e incrementou o seu carro com vinte alto-falantes, oito amplificadores, dois aparelhos de DVD, quinze telas de TV e uma câmera na grade ligada a uma das telas, substituindo a placa de TAXI para PIMP, e, ufa, mudando a cor de preto para roxo.


Em 2010 agrediu e tentou matar a sua então esposa, em 2014 tentou se eleger ao parlamento britânico na Casa dos Comuns com a campanha "energia grátis, comida grátis e qualquer coisa grátis", em 2021 durante a pandemia se tornou instrutor fitness online em um canal do Youtube e atualmente é apicultor e cervejeiro nas horas vagas. Em resumo, ele é um vagabundo.


Happy Mondays foi uma das últimas bandas da última geração que passou pelo Haçienda a fazer sucesso no final da cultura rave, quando esta perdeu espaço para o Hip Hop americano que dominou o mundo a partir de então, e pelo menos um grupo teve pelo menos um vagabundo que nem dançar dançava, ele estava lá para abençoar todo mundo.


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Baba Oje era conhecido carinhosamente como o homem mais velho do Hip Hop e guru espiritual do coletivo Arrested Development, representante máximo da cena ensolarada e deboísta do gênero, muitas vezes chamado de Hippie Hop.


Terceiro de oito filhos e nascido Ollie Johnson Jr. em 1932, tinha 13 ou 14 anos quando sua família se mudou de sua cidade natal, Laurel (no Estado do Mississipi nos Estados Unidos), para Milwaukee em busca de uma vida melhor, abandonou o ensino médio em 1952 e serviu o Exército por dois anos, incluindo passando um período na Guerra da Coreia.


Anos depois estudou na Universidade de Wisconsin-Milwaukee e conheceu o rapper Todd Thomas (o Speech) e os outros membros do Arrested Development. Oje não cantava nem rimava, não produzia músicas nem tocava nenhum instrumento, mas atuava como conselheiro espiritual do grupo (papel reforçado quando descobriu-se que Oje também conhecia e foi inclusive padrinho de casamento dos pais de Speech antes dele nascer), e aceitou o convite por se identificar com a mensagem positiva das músicas do grupo.


Seguiu carreira viajando com os integrantes, chegou a dançar e arriscar alguns vocais e até andar de patins pelos palcos e depois de muito velho diminuiu o ritmo mas adotou uma charmosa e condizente cadeira de balanço em pleno palco, assumindo de vez a postura de preto velho sábio e gentil.



Se aposentou do grupo em 2009 por motivos de saúde e três anos depois deixou Atlanta (cidade no Estado da Geórgia onde ficava a sede do Arrested Development), voltou para Milwaukee e morreu no dia 30 de outubro de 2018, aos 86 ou 87 anos de idade. Longe de ser um vagabundo, talvez Baba Oje tenha sido mais alheio à vida como levamos, tão alheio quanto os motivos pelos quais Ben Car entrou para o The Mighty Mighty Bosstones.


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A banda de Ska-Punk The Mighty Mighty Bosstones foi formada na cidade Boston, Massachusetts, em 1983 e estava completa quando Ben Carr apareceu. Assistia os ensaios, carregava equipamento e, por ter apenas 16 anos, não podia ficar e assistir os shows, até o vocalista ter a simples e genial ideia de dizer que ele era parte da banda. Sem saber tocar nenhum instrumento, começou a dançar igual o Forrest Gump começou a correr e nunca mais parou.


Entrava no palco junto da banda, vestido como um dos membros, dançava o show inteiro e com o tempo começou a fazer alguns backing vocals de vez em quando e talvez para justificar o cachê atuou como gerente de turnê, reservando hotéis e buscando restaurantes e transporte e assim foi durante os quase 40 anos de atividade do grupo.



Para quem subiu no palco só para dançar até que arrumou um emprego bem formal, Ben não chegou a ser guia espiritual como Baba Oje e felizmente nem tocador de maracá como o Bez e ganhou um propósito na vida sem nem precisar correr atrás e claro, entrou para uma banda "The Alguma-Coisa", bandas que começam com "The" geralmente merecem crédito automático.



Por falar em três vagabundos, aquele trio lançou aquele disco histórico e por causa dele o mundo tem uma dívida comigo.


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Cápsula do tempo.


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Novembro foi a festa dos mundos opostos mas alegria no talo, Gojira e Mastodon no Espaço das Américas, insanos e pesados e emotivos, e uma semana depois Sabrina Carpenter e Taylor Swift no Allianz.


Sabrina mó bonitinha, apesar de estranhamente lembrar da M3GAN, a Chucky de saias, e na vida real ser sobrinha do Bart Simpson. Não sabia? Pesquise que você descobre.


E a Taylor Swift sentiu o gostinho amargo de Brasil descendo na garganta.


Uma das suas fãs, Ana Benevides, morreu de calor e insolação no primeiro show da turnê nacional no Estádio Nilton Santos no Rio de Janeiro, apelidado de Engenhão, e na segunda música do show, de nome Cruel Summer, ironia estilo rir para não chorar.


Antes do corpo da menina esfriar (não foi intencional, desculpas) começou a coreografia dos dedos e dança das cadeiras tentando decidir de quem é a culpa, se da cantora, da produtora que contratou ela, dos responsáveis pelo estádio, ou os bombeiros, ou o governo, ou o destino, deus, mercúrio retrógrado e a suposta insensibilidade da cantora em não tocar no assunto nem dedicar música para a menina nos show seguintes.


Mas ela deve ter sido orientada sobre como funciona o Brasil:


Se não falar o nome da fã morta, é insensível.

Se falar, está sendo oportunista com a morte de uma fã.


Já dizia Ney Matogrosso, cantor que já enfrentou muito calor pelo país:


Se correr o bicho pega (complete você mesmo mentalmente).


Não à toa o show foi num estádio de futebol, o velho problema de se viver num país onde jovens se atrasam para a prova do ENEM mas acampam dias antes usando fralda para ver artista gringo e nos jogos vaiam o hino do time adversário sem nem saber cantar o próprio hino inteiro.


E por falar nisso o show dela é o playback mais profissional de todos os tempos.


Não é ruim, longe disso, ela é maravilhosa e uma profissional incrível em todos os sentidos e o evento é um espetáculo fora da curva, mas a experiência fica melhor se você encarar como uma apresentação do Cirque du Soleil.


A música não está em segundo plano, ela tem uma carreira sólida, mas ao vivo existem muito mais a ser mostrado e a magrela definitivamente consegue. Quase tão desengonçada quanto a Dua Lipa mas muito mais dedicada na coreografias e com a segurança de quem sabe criar conexão com o público dela.


Além do mais são três horas de show com a plateia nas mãos e repassando toda a carreira, imagina se cada banda que você gosta fizesse uma tour tocando músicas de todos os discos, na ordem.


Taylor está fazendo história e claro, plateia de menina é sempre sensacional como não canso de falar, alegres, coloridas e se esgoelam como só quem realmente gosta da música e sai de casa para se divertir faz.


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